sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Meia hora para o fim do mundo

Quando pequeno, Norberto era apenas um gordinho de poucas palavras, dono de uma coordenação motora lamentável com as mãos e pensamentos fervilhantes (dentre os quais "Porquê a Xuxa é famosa se ela é ruim?", "Porquê eu não sou negro?" e "Prefiro Pepsi a Yakult" talvez se destacassem). Mudou de casa, de bairro e de colégio no Pré e, na nova escola, se viu em um território completamente hostil, como se fora um imigrante tendo que construir sua nova vida sozinho, desassistido pelo governo que antes lhe dava o mínimo para viver. Em 1994, o termo "bullying" ainda não circulava por aí e, mesmo que assim fosse, não era este o caso. Do que Norberto padecia era mesmo de timidez, misturada àquela dosezinha de crueldade inata das crianças, seu afã por demarcarem territórios invisíveis e imporem limites. Se você é um forasteiro, deve demonstrar duas vezes mais qualidades (sobre)humanas do que os outros para se encaixar - e eles não perderão nenhuma oportunidade de te relembrar que aquele não é o seu território. Mesmo que você seja apenas um moleque de cinco anos e físico roliço.

Pelo menos era assim que a banda tocava lá pelos lados do Morumbi naqueles dias de primórdios do Plano Real. Quer dizer: era assim que a banda tocava até a hora do recreio. Quando o sinal batia, um improvável fenômeno de reorganização da "pirâmide" acontecia no pátio do colégio e o futebol, essa maravilhosa dança dos deuses, exercia a mais crua justiça social. Era, certamente, um fenômeno digno de acurados estudos para qualquer sociólogo ou psicanalista. Era mágica, alguns diriam. Norberto lembrava dos velhos discos que seu pai ouvia, das palavras de Sá e Guarabyra, e percebia que, de fato, por 30 minutos diários, o sertão virava mar e o mar virava sertão. O ponto é que não havia absolutamente ninguém com uma reputação forte o suficiente para resistir ao escárnio geral de tomar um rolinho ou um chapeu humilhante. Frangos eram imperdoáveis e ninguém queria saber se o menino era ou não goleiro de origem. Ser ruim no futebol era ser ruim na vida, aquela era a lei. E não adiantava correr: se você não jogasse bola, era menos respeitado ainda, como um dalit na Índia.

Ocorre que os melhores jogadores da classe eram justamente os rebentos mais calados, os alvos prediletos das brincadeiras, das chacotas e da indiferença (com o perdão do paradoxo) alheias, os gauches a que Drummond se referia. Os quietos, os estranhos, os fracotes, os gordinhos... E, por outro lado, os líderes da zuera, promotores da discórdia e sua fiel bancada de seguidores eram todos, sem qualquer exceção, reles pernas-de-pau, meninos que no futuro, com muito esforço, anos de treinos, uma sorte dos diabos e um grande empresário, no máximo poderiam algum dia vestir a camisa 15 do Palmeiras e se tornarem aquele volante limitado que o Gilson Kleina lança aos 41 do segundo tempo para segurar o resultado. Por 30 minutos diários, os falastrões eram forçados a ser aquilo que mais odiavam ser: humanos. Tratava-se, pois, da meia hora dos oprimidos

Diante da absurda situação de insolvência política e afronta à moral e os bons costumes, os bullies - aqui tratados assim por mero recurso linguístico e uma dose de prazer do escritor - então se reuniram. Como recuperar a moral? Como parar de passar vergonha na frente das menininhas que eles amavam odiar? Como conseguir, oh céus, encostar a cabeça no travesseiro à noite e ainda se sentir o rei do pedaço? O pessoal já estava começando a comentar, a coisa estava ficando feia. De que adiantava construir seu nome no colégio por horas, meses, quiçá anos e, em meia hora, colocar tudo a perder por causa de um bando de novatos desajeitados que mal pronunciavam dez palavras por dia?

Eles se juntaram um dia. Confabularam, conversaram entre si. Após a reunião do Congresso, as lideranças se decidiram por uma medida provisória: cada dia um deles (eram três, os opinion leaders da classe) traria a bola. Só eles teriam esse privilégio. E assim, na condição de donos da pelota - detentores dos meios de produção, diria um certo escritor barbudo - sempre estariam entre os primeiros a serem escolhidos e não cairiam em descrédito tão escancarado diante da massa.

No caminho para a aula, na hora do almoço, ao passar pela Giovanni Gronchi então sem nenhum prédio, Norberto se punha a refletir como naquela meia hora diária ele se sentia bem e como nas cinco horas restantes de aula, não.

Passou a amar o futebol para sempre, com devoção. E até onde ficou sabendo, nenhum dos bullies virou volante do Palmeiras ou algo que o valha.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Os ricos da sarjeta

Saiu da dentista naquela tarde assoberbada de terça-feira, pegou o elevador e procurou pensar em coisas boas. Lembrou de quando a vida lhe sorria. Discretamente riu, resignado.


Pôs os pés no asfalto e foi molhado pelos primeiros pingos celestiais, que caíam furiosos. Lembrou das palavras de Rubem Braga e pensou que talvez não fosse tão pequeno. A solidão da rua é que o fazia menor entre os altos edifícios. De frente para o metrô Brigadeiro, caminhou decidido na calçada da Paulista, por entre dezenas de yuppies com suas briefcases, que de noite se tornavam punks, neonazis, indies e góticos por aquelas mesmas bandas da cidade.

Na primeira esquina, quase tropeçou em um casal de indigentes deitados no meio-fio, que, acostumados aos tapas da vida, nem se incomodaram. Seguiu marchando em direção a Santo Amaro, mas algo lhe intrigou. Deu meia-volta.

- Oi, posso pagar um PF pra vocês?

Pagou. E não falou mais uma palavra. Sentou no banquinho do buteco da Rua Carlos Sampaio e pôs-se apenas a observar a refeição do casal maltrapilho que, embora comesse com a sofreguidão de quem soubesse que aquilo era raro, parecia desfrutar como a um jantar a luz de velas, no céu cinza das cinco da tarde. Eram, de fato, um lindo par. Tinham brilho. Alma. Olhavam-se com vivacidade.

Pensou no seu passado todo. Lembrou dela. Sorriu. Entendeu um bilhão de coisas. Seguiu seu rumo de volta a Santo Amaro.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Por aí

Aí tu para pra pensar e vê que tá fazendo tudo errado; falando muito e dizendo pouco; dando contornos semi-heróicos ao simples fato de sua vida andar meio em P&B ultimamente. E porra, a vida não é aquela PELÍCULA do Telecine Cult pra você ficar analisando todas as minúcias e significados enquanto o planeta gira.

Tudo bem, nem todos nós temos condições ou intenção de transformar nossa jornada numa superprodução dessas que passam no Telecine Premium de sábado às 22h e são avidamente assistidas por supostos "admiradores da sétima arte", mas pô, ninguém quer ficar aprisionado numa música do Little Joy pra sempre também, né? Nem tão Julia Roberts nem tão Björk, entende?

Tenho tido uns sonhos bons, e isso é bom. Assim como Zé Keti, tenho muitos amigos, e isso também é muito bom. Aos poucos, vou deixando de ser aquele mancebo imberbe que pensava que a vida era uma propaganda de margarina com umas salpicadas de ironia no meio. Além de uma palavra pitoresca, a amargura é um fermento da alma. Com ela, se atinge a tal da maioridade de que o Kant vivia falando. O grande perigo é ela chegar pra ficar, que nem aquele cunhado que vem morar de favor no quarto do fundo e no fim do ano já reclama da borda do pão de forma e das posições políticas do jornal que você assina.

Falando em Little Joy e nessa vibe meio "if nothing ventured, nothing learned", é de pequenas alegrias que eu vou vivendo. Tipo pegar o violão e tirar uns acordes daquele samba, dar umas assistências pra vitória do meu time no sábado, comer o spaghetti al sugo da mamãe, dar mamão e banana pros beija-flores aqui de casa, tomar uma cerveja com uns bons amigos, ver a vida passar bobamente. Pensando bem, é bem assim que eu tô vivendo: bobamente.

Tenho ciência de minha pequenez. Da pequenez de todos nós. Estou perfeitamente lúcido quanto a isso. No aspecto social, é bem por aí que temos que pensar pra vivermos bem coletivamente. Mas o mais curioso e paradoxal é que, quando se trata das coisas do peito, aí a gente esquece essa humildade toda e quer ser gigante. E olha pra ela e pensa "de que diabos adianta ter a paz mundial se eu não tiver você aqui comigo?". Em certos momentos, a gente tem que se colocar à frente dos outros. Estou perfeitamente lúcido quanto a isso.

Confesso às vezes me perguntar, será que eu tô me enganando? Encenando meu próprio 'Esperando Godot'? Será isso uma espécie de sebastianismo sentimental? Vai saber. Mas se alguém perguntar por mim, diz que fui por aí. É o que eu faço de melhor.




sexta-feira, 29 de abril de 2011

O meu worst-seller

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A gente senta pra escrever assim como quem pára pra tomar um café ou ler uma notinha no pé da terceira página do jornal e despretensiosamente pensa em algum tema. O que vai ser? Na minha atual situação, nem quero ser lido. Quero é regorgitar essas palavras pra fora de mim. Confesso que gostaria muito, muito mesmo, de falar de como o Barça joga o futebol dos meus sonhos de criança. De como o Fluminense e o Inter vencem, mas têm times verdadeiramente medíocres sob quase todos os aspectos. Ou até de como o Cruzeiro tem um timaço e o Montillo é um tremendo craque. É, eu queria, sabe? Mas não é isso que eu preciso expulsar de mim.

Ouço essa chuvinha caindo nos paralelepípedos e nas plantas ali fora e, pra falar a verdade, penso em pouquíssimas coisas. Mas sinto um turbilhão descendo pela minha traqueia e passeando pelo meu peito mais forte que o efeito de um produto em fase de declínio do seu ciclo de vida, como Vick Vaporub. Coisas boas, muito boas. Um mix de marketing de sensações. Se eu não sentisse isso, melhor seria estar deitado numa gaveta do IML com o corpo cheio de formol. E aí, depois de tudo, ao som do saxofone meloso do Katinguelê em "No Compasso do Criador", faço umas sinapses aqui e outras acolá pra entender melhor onde eu tô e onde eu tava uns dias atrás, psíquica e espiritualmente.



Ora, se pra Platão, o amor é falta - e tudo que eu sei sentir agora é falta dela - eu estou nesse beco, vivendo "o velho problema de amar", como diria aquele nego véio do Samba da Vela de Santo Amaro. Mas não, não é e não pode ser tão simples assim. Libido, paixão, apetite, desejo, atração, afeição... nada disso resume o que tava passando aqui. É bem por aí, mas é mais que isso. Era inquietude. Era falta de ar. Era o mundo se movendo no tom e no ritmo da Nova Brasil e eu implorando pra que ele voltasse a ser que nem a Energia 97 no sábado às 11 da noite. "Quero bate-estaca, seu João Gilberto, posso?" Porra, parece que eu tava num rio de águas paradas, entorpecido pela amargura, observando passivamente um aedes aegyptis me picar. O triste e inevitável masoquismo pós-adolescente fazendo mais uma vítima.

Tem gente mais chata do que quem fica choramingando pelos cantos, cíclica e tetricamente assistindo sua própria decadência, esperando uma dose de pena alheia? Tem não. Mas até você passar por isso, acredite, meu amigo, você não pode julgar quem passa. Quem tem vontade de gritar até estourar a última veia do seu pomo-de-adão, mas não consegue. Quem fica com os olhos marejados quando fica 5 minutos sem pensar em nada, e olha pra baixo pra disfarçar. Quem fica sem querer saber da própria vida por uns meses, por mais que algumas oportunidades de felicidade joguem pedregulhos na sua janela lhe chamando pra sair dessa.

Tudo, obviamente, tem a ver com sentir-se sozinho. Mais que isso: sentir-se longe de quem melhor poderia te entender. E por tempo indeterminado. É doloroso como quando você está jogando NBA Live e o jogador que mantinha seu time de pé na temporada, o único grande e verdadeiro craque da equipe, de repente vira free agent. Dá aquela certeza de rebaixamento. Mas aí você lembra que na NBA não tem Série B, e tudo fica mais ou menos bem. A diferença é que pras coisas do amor, não há empresário: não adianta tentar costurar um acordo, oferecer um salário melhor, mais infra-estrutura, prometer que vai se reforçar nas posições carentes e brigar por títulos. É tudo regido pela alma. E pra minha sorte, a minha tem se mostrado bem forte até aqui.



O lado bom de tudo isso é ver que a tristeza não é uma skinhead neo-nazista. Pelo contrário, ela é bem democrática e não olha berço, tez, pele, gênero, tamanho, cor dos olhos, diâmetro do pênis... Ataca tanto o Wescley, quarto-zagueiro reserva do ABC de Natal, quanto o Wayne Rooney, melhor atacante do mundo, ídolo do Manchester United, seguindo uma lógica tão pouco cartesiana quanto se fosse só porque os dois têm o nome começado em W. A tristeza pega geral. E admito: se eu fosse um Luciano Huck da vida, eu diria de maneira simplória que "essa é uma lição bacana e bonita da vida". Talvez seja mesmo. Mas é duro ter de acordar sem ter um porquê, com um buraco do tamanho de um tiro de Winchester 22 no peito fumegante e ainda se dispondo a enxergar um pouco da gigantesca beleza que resta no mundo.

E aí, com toda a razão, você se lembra da hiena Hardy, que vivia a murmurar "oh céus, oh vida, oh azar, isto não vai dar certo!". E pensa em como esse bichinho inspirou best sellers trash como "O Segredo", e a sua já consagrada Lei da Atração. E considera que essa onda de pessimismo é até razoavelmente atraente aos olhos acríticos da pós-modernidade. A tristeza, o blasé, as fotos em sépia, a "coldplaynização da indústria músical", têm seu apelo. É um certo charme da derrota, presente ainda mais em tempos em que todos são forjados e criados para serem predadores e vencedores. Uma espécie de contra-cultura sentimental. É bonito dizer "eu não consegui" ou "eu falhei" e depois ser devorado pelo mundo, pela História, pelo seu tempo. É o que aconteceu com Garrincha, a estrela solitária, que despertou amores e sonhos pelo mundo todo, foi usado e depois largado ao ostracismo com seus defeitos.





Mas felizmente pra mim, não é o que vai acontecer comigo. E isso não é nenhum tipo de promessa ou profecia, até porque tenho certeza de que os poucos bravos que se dispuseram a ler esse texto não resistiram a tanta chatice e não chegaram até aqui - em outras palavras, estou falando sozinho. É simplesmente porque bem no fundo do meu bucho, bem no meu cerne, eu sinto algo que Ikki de Fênix definiria como uma "cosmoenergia" crescente. Algum publicitário acostumado a atender contas do terceiro setor resumiria esse sentimento a "força de vontade". Eu não. Prefiro chamar de gosto pela vida. E por mim mesmo.

Gosto do que eu vivi até aqui. Tenho uma trajetória que, com o perdão do pleonasmo, daria uma biografia. Dessas que ficariam na prateleira do meio das livrarias (a de cima é reservada pros livros que dão mais jabá). Biografiazinha honesta, fico imaginando. "O De Luna que há por trás do nugget". Quantidade moderada de qualidades e muitos defeitos, do jeito que as editoras adoram. Diversas histórias, causos e "passagens", como gosta de chamar o Faustão naqueles "Arquivos Confidenciais" da vida. Enfim, agora minha mente está viajando. Deve ser o horário ou essa garoa fina da madrugada que me tortura do lado de fora.

O fato é que, aos 22 anos, nem mesmo esse ippon que a vida me aplicou foi capaz de matar o meu sonho. Pelo contrário: tornou mais intensa a certeza de que o que eu quero vai acontecer. Meus pais me fizeram demasiado perseverante pra entregar os pontos assim de bandeja por causa de um ou dois meses de bossa nova. Parece uma frase difícil, excessivamente otimista e um tanto bonita, e fica mais ainda quando você descobre que es todo verdad, muchacho. Es todo verdad. Quem viver, verá.

Ah, você quer saber qual é o meu sonho?

Compra o livro, ué.

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quinta-feira, 21 de abril de 2011

O Duo - II

As metáforas

Essa lágrima solitária foi incontrolável, mas sei lá, hoje, parafraseando Tom Jobim, eu posso até dizer que ela foi como uma promessa de vida no meu coração. Eu não sou muito fã de bossa nova, nem de frases que vulgarmente falam do coração, mas desde moleque eu curto metáforas. Vejo-as em todo lugar. E essa lágrima foi agridoce. Estranhamente não teve pra mim o sabor da derrota. Foi mais como se eu tivesse ido à lona no primeiro round e o juiz da luta tivesse aberto contagem. Cabia a mim levantar antes de ele contar até 10 e decretar o nocaute.

Obviamente, passei a desprezar eternamente o uso desse aplicativo chamado MSN. E me pus a me auto-analisar: porque diachos não tinha dado certo? Eu era bonzinho, legal, atencioso... Mas calma. Será que as mulheres são assim, atraídas pela sutil indiferença masculina? Será que eu era mesmo disponível demais? Estaria eu diante da primeira lição sobre o universo feminino? Algo como "água demais mata a planta". Olha só que metáfora inteligente. É, devia ser isso.

Levanta-te

Nos meses seguintes, fiquei mal. Eu era inexperiente. 16 anos de idade, nunca tinha namorado nem tido nada mais ou menos sério com outra menina. Por mais que eu gostasse dela, foi inevitável pensar que aquilo, aquele baque todo, poderia ser normal, por ela ser a primeira de quem eu gostei de verdade. No futuro, poderiam vir muitas outras e eu nem lembraria direito dela. Com 99% das pessoas é assim. Mas eu não sou 99% das pessoas. Que me desculpe a norma culta da língua portuguesa, mas "eu queria ela".

Se algum engravatado do RH de uma multinacional pedisse pra eu me definir em duas características, eu diria: "Olha, é o seguinte: eu nunca fui dos mais sonhadores, desses que aos 20 anos fazem planos sobre o que farão aos 42. Não sei se você me entende, mas pra mim, a incerteza é um privilégio dos que têm confiança. Em si e, claro, nos outros. E isso obviamente é a coisa mais linda do ser humano. Por outro lado, sempre fui um cabra persistente, sabe? Mas só com as poucas coisas que eu realmente enfiei na cabeça, pessoas que me convenceram a gostar delas, que ganharam minha lealdade. Por essas, vale a pena viver, se sacrificar. Ah, se vale".

Como ninguém nunca me perguntou, eu nunca me descrevi dessa forma.

Com a ajuda de dois bons amigos, eu juntei os cacos e fui percebendo que a vida não era uma música do CPM 22. Ela era, é e sempre vai ser maior que uma tristeza. Ainda mais se tratando de alguém que eu conhecia há 6 meses, com quem minha história era praticamente nula.

Mas o diabo é que eu queria ter uma história com ela.

O reapproach

Comecei a visitar a classe dela com certa frequência nos intervalos de aulas. Voltei a entrar no MSN. E criei o hábito de ligar pra ela quase todo dia e ficar pendurado por 2 horas ao telefone. Um dia, o pai dela - que não me conhecia - me ligou e falou: "eu tô vendo aqui na minha conta telefônica, deu cento e tantos reais, e eu nem conheço esse número. Quem é você, rapaz?".

Mas de concreto até aí, nada. Eis que surgiu uma festa junina. Onze de junho de 2005, nunca vou esquecer a data. Véspera do dia dos namorados que, por sua vez, fica na véspera do meu aniversário. Curioso.

Bateu uma certeza em mim. Eu precisava surpreendê-la. Tinha que pensar em um dia perfeito nessa festa junina. Então sentei no computador, abri o e-mail do Yahoo e entrei num daqueles aplicativos antigos de mandar cartões virtuais. E comecei a soltar a mão. Escrevi tudo ali. Muitas e muitas linhas de sinceridade. No fim, pedi ela em namoro. E programei pro cartão ser enviado no dia 11 pela manhã. Na véspera, disse: "amanhã cedo, abre seu e-mail antes de ir pra festa".





O Duo - I

A gênese

Linda ela era. Linda mesmo, em todos os detalhes. Mas ela não sabia. E, pro meu desalento, nunca se convenceu disso plenamente. Quando eu a vi pela primeira vez, ainda na escola, eu não passava de um adolescentezinho metido a engraçado, tendo seus primeiros contatos com o mulherio juvenil. Nem barba eu tinha. Não era popular nem rejeitado. Era imberbe e levemente inseguro, como tinha que ser. Ela usava um piercing no nariz, tinha um olhar indescritivelmente charmoso e um ar blasé que só se desfazia quando ela sorria. Puta merda, como eu adorava quando ela sorria. Era a melhor hora do meu dia.

Quando eu me pergunto se Deus existe, eu me lembro que eu e ela tínhamos uma amiga em comum. Na hora e no lugar certo. E, desde então, não ouso ser ateu.

O flerte

Flertar. Taí uma das melhores sensações da vida, em qualquer idade. E infelizmente, algo em que eu sempre fui tão bom e talentoso quanto Bruno de Luca como apresentador. Mas o desastre às vezes é atraente. Nos mostra falíveis, sinceros. Gente. Somos todos gente, no fim das contas. Eram os primórdios do MSN. Em meio a emoticons de gosto duvidoso, CD's gravados com músicas de bandas como Maskavo e Circuladô de Fulô, piadinhas e opiniões sobre tudo e todos, surgiu uma festa. Helloween. Mas era à fantasia.

No dia da festa, arranjei meio às pressas uma roupa listrada escrito 171. "Prisioneiro, que criativo", eu pensei, do alto da minha insegurança. Ela foi de enfermeira. E eu fiquei maluco. Comentei com meus amigos no dia, o que era aquilo?! Cervejas vão, cervejas vêm, eu - que mal sabia beber, assim como ela - tomo coragem, sento no sofá, encosto meu rosto no dela e bam! Remy, do Ratatouille, me entenderia. Nesse dia, eu descobri a diferença entre alegria e felicidade. E nunca mais esqueci. Nunca.

A cabeça

Hora de abrir um parentesis mental aqui, enquanto ouço uma música do Exaltasamba da fase pré-Chrigor. Eu nunca fui dos mais católicos. Nunca tive argumentos sólidos pra defender ferrenhamente a monogamia, por exemplo. Se o cidadão ou a cidadã está insatisfeito(a), porquê não? As leis, a ética, os direitos e os deveres só servem pra reger a sociedade, mas não os relacionamentos. Esses são regidos ao sabor da carne, da alma e da consciência, só. Mas meu ponto é: insatisfeito, eu nunca estive. Meu sangue sempre ferveu com ela. Até demais, mas era bom. É, no fim era bom. Me fazia sentir vivo e diferente, num mundo cheio de gente que apenas existe. Fecha parentesis.

A outra

Nós apenas ficávamos, não tínhamos nada sério. Pelo menos pra ela, não era sério. Pra mim, não era oficialmente, mas deveria virar.

Enquanto isso, no início daquele ano curioso de terceiro colegial, uma outra menina começou a me dar indiretas. Era um xaveco pardo, quase invisível, a não ser pelos olhares que ela me lançava na aula. Lançava não, fuzilava. Até que um dia, ela me diz "poxa, tem um menino da classe de alemão de quem eu gosto muito, mas não vou falar quem é. Você nem desconfia?". Eu gaguejei (virtualmente). Respondi "não sei não", e fechei a janela do MSN. Essa foi a melhor decisão dos meus primeiros 16 anos de vida. Ela era linda, mas não pra mim.

A queda

Obviamente, nunca contei dessa história pra ninguém. Mas fiquei todo meninão, empolgado com essa espécie de aposta ou voto secreto de lealdade que eu dei àquela menina que eu escolhi. Ela, a do piercing. Só faltava eu ser escolhido também. Na minha cabeça, eu tava fazendo tudo certo. Dava mais atenção a ela do que aos estudos, ao futebol, aos amigos, aos meus pais, meu cachorro, todos juntos. E achava isso o máximo.

Um belo dia, sou chamado por ela numa janela do MSN (Bill Gates sempre presente em minha vida). "Ééé, então, eu queria conversar" - eu comecei a suar frio - "acho melhor a gente não ficar mais junto. Gosto muito de você, mas sei lá, vamos dar um tempo. Tá muito sério, eu não tô preparada pra isso". Eu só respondi: "Claro. Ok." Minha vontade era de esmurrar a tela daquele computador até sair sangue da minha mão. Me senti o pior ser humano do mundo. E ali, escorreu uma única lágrima do meu rosto. Uma só.








sexta-feira, 25 de março de 2011

Meu mundo ideal

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Certa vez, nos idos da década de 60, Martin Luther King proferiu um famoso discurso batizado de "Eu tenho um sonho". Mais de 40 anos se passaram e, vejam vocês, eu tô aqui no hemisfério sul sonhando também. Como seria o mundo ideal? Sem mais delongas, vamos a algumas ideias.

1 - no mundo ideal, Marcio Canuto seria o correspondente da Globo nas guerras. Apenas imaginem Sandra Annenberg dizendo: "E agora vamos falar com nosso enviado especial na Líbia, Marcio Canuto. Marcio, a situação tá tensa por aí?". Imagem corta pra Marcio Canuto fazendo dancinhas típicas líbias junto de talibans armados.


2 - ainda no campo do jornalismo, em vez de dizer seu tradicional "boa noite", William Bonner falaria todas as noites: FALOW PÍPOUUU!

3 - insistindo no pântano jornalístico, após cada matéria sobre tragédias, Fátima Bernardes colocaria a mão no queixo, pensaria um pouco e diria: "Ééé William, se tá ruim pra nós, imagina pra classe média?"


4 - as mulheres do tempo nos jornais seriam punks obesas, só de zuera. Mas seriam extremamente competentes na árdua tarefa de transmitir as previsões meteorológicas ao telespectador, que costuma aproveitar esse momento do jornal para ir ao banheiro.
5 - os debates entre candidatos às eleições seriam mediados pelo saudoso Roberto Avallone, que inevitavelmente diria coisas como: "NO PIQUE, candidata Dilma... minha Tia Dora me contou que o asfalto do Bom Retiro está terrível EXCLAMAÇÃO. PONTO E VÍRGULA, o que a senhora pretende fazer a esse respeito INTERROGAÇÃO".


6 - na abertura dos jogos da EA Sports, o carinha diria: "EA SPORTS: PORQUE ESSA FESTA É SÓ ZUERA"

7 - não haveria jogadores com números acima de 30 na camisa. Nada de Ronaldinho com a camisa 80, Ronaldo com a 99, Ilsinho com a 77, Petkovic com a 47 ou Lucas com a 37. Quer ser moderninho, vai pra NBA!

8 - o querido Juventus da Móoca seria forte e disputaria a Libertadores utilizando a seguinte escalação, composta apenas por jogadores com mais de 35 anos: Velloso, Russo, Gonçalves, Schiavi e Dennis Irwin, Marcelinho Paulista, Doriva, Marcelinho Carioca e Basualdo, Tulio e Viola (Teddy Sheringham entraria em todos os jogos aos 30 do segundo tempo pra dar aquela qualidade a mais). Técnico: Sir Alex Ferguson.

9 - as pessoas parariam de desejar FORÇA NA PERUCA e se convenceriam de que essa expressão nem sequer faz o menor sentido.

10 - os shopping centers inovariam, sairiam da mesmice e teriam lojas pouco ortodoxas, como sex shops, detetives particulares, terreiros de macumba e amarração do amor (PAGAMENTO SÓ APÓS O RESULTADO!!1!).

11 - os índios teriam uma participação muito maior na formação cultural do brasileiro, sempre tão amarrado à moral e aos bons costumes. Como resultado, entre outras diversas melhorias em nossas vidas, as pessoas teriam vontade de fazer sexo toda hora. Tipo, a mulher "ai, tô aqui no almoço, mas o que eu queria era outro tipo de linguiça #CQC #ad", ou o marmanjão "porra, tinha que trocar o pneu do carro, mas deixa pra lá... vamo fritar esse bifinho ae, mulher!"

12 - Alexandre Frota seria o Ministro da Cultura. Sua primeira medida seria disponibilizar a exibição de UFC, MMA e todas as outras modalidades de vale-tudo nas escolas de toda a rede pública de ensino. A segunda seria declarar que "ISSO É MANEIRO".


13 - Galvão Bueno & Arnaldo Cezar Coelho seriam uma dupla sertaneja com muitos anos de estrada e já teriam emplacado vários hits, como: "A Regra é Clara", "Bem, Amantes", "A Física Não Permite", "Briga de Cachorro Grande", "Força Desproporcional", "Brasil na Libertadores", "Haja Coração", "Imprudência", "Toco Y Me Voy (featuring Alejandro Sanz y Shakira)"


14 - Livros de auto-ajuda já viriam com uma etiqueta na capa com os dizeres: "ATENÇÃO: o conteúdo desta obra é bem mais babaca do que o de todas as outras (exceto talvez as da sessão de vampiros) mas blz, você que sabe"

15 - algumas igrejas implantariam programas de CRM (Costumer Relationship Management) para profissionalizar e otimizar o processo de extorsão de seus fieis, segmentando seu público em 4 níveis, de acordo com o valor de doações feitas per capita ao longo do tempo: "light bobo", "apenas bobo", "heavy bobo" e "eternamente virgem".

16 - haveria na Constituição Brasileira um artigo proibindo que qualquer um dos brasileiros gire o dedo em torno da orelha ao dançar qualquer música que fale a palavra "louco".

17 - ninguém nunca usaria a expressão "CIGARRO DE MACONHA", a não ser que estivesse falando com o sobrinho de 7 anos.

18 - haveria histórias infantis que refletissem melhor a realidade que espera os jovens rebentos no futuro. Por exemplo: "Glória se casou com Matias, que bebia muito e começou a se viciar numa pedrinha mágica chamada crack. Matias batia em Glória, que, desiludida, arranjou um amante: o jovem e sonhador Nicolau. Contudo, Nicolau sofria de disfunção erétil e não correspondia às necessidades de Glória, que se viu obrigada então a se divorciar de Matias - de quem arrancou até o último centavo - e se assumir lésbica. Nicolau se suicidou em dezembro, quando foi diagnosticado como sendo soropositivo. FIM"

19 - antes de iniciar seus discursos, Dilma pigarrearia, olharia firme para os repórteres e as câmeras e começaria a fazer um beatbox de pigarros.

20 - as piadas sobre o Acre seriam terminantemente vetadas, pelo bem do (pouco) que resta do humor nacional

21 - os bolivianos é que escravizariam os coreanos no Bom Retiro, e não mais o inverso. Mas seria só de zuera, uma vez que eles seriam grandes amigos, o que descaracterizaria a aplicação do conceito da mais-valia e da luta de classes e deixaria Marx meio bolado.

22 - Ronald McDonald daria em cima das criancinhas, mas, mais uma vez, seria só de zuera, pra testar se os pais tavam espertos.

23 - se, ainda assim, a criancinha desse bola pro Ronald, apareceriam do nada os irmãos Kiko, Leandro e Bruno e começariam a discursar sobre os males da pedofilia: "A família é a célula-mater da sociedade, ~~BLABLABLA~~, vida, devolva minhas fantasias."

24 - os filmes e vídeos pornôs teriam intervalos periódicos de 1 minuto e meio, sem que seus espectadores tenham que encostar no mouse ou no controle (PENSEM...)

25 - o Ministério das Minas e Energia seria patrocinado pelo Intimus Gel e pela Red Bull #CQC #humorismo #duplosentido #hashtags

26 - em vez do hino nacional, antes de todos os jogos de futebol seria executada a música "Morango do Nordeste" do excelente grupo de pagode Karametade. Os jogadores e torcedores teriam que ficar enfileirados em silêncio e cantariam junto com Vavá e os outros meninos da banda, que também emplacou o hit "Mel na Minha Boca", entre outros.

27 - haveria um restaurante por quilo judaico em Higienópolis chamado KOSHINHA.

28 - Fernando e Sorocaba abririam o show do Green Day com o Chico Buarque no Sesc Itaquera (SÓ CONVIDADOS!!!11!!)

29 - em vez de "hahaha", "sahuashuahua", "kkkk", "rsssrss", todas as pessoas seriam obrigadas a rir com RISOS. E não só na internet. Ao vivo também... em vez de rir, a pessoa se limitaria a dizer RISOS.

30 - as ruas teriam nomes muito mais daora. Imagine a seguinte cena: "Cara, pra chegar aqui é facinho... eu moro na esquina da Av. Comendador José Roberto Bolovo com a Rua Ministro Antonio Couve-Flor... isso, isso, é só você vir reto na Padre Alberto Papa-Anjo e passar o semáforo. Qualquer coisa liga ae"

31 - o Facebook não teria o botão "curtir", mas sim o botão TRANSAR. (4 pessoas transaram esse post)

32 - nas salas de espera dos consultórios onde as pessoas fazem testes pra saber se estão com AIDS, tocaria a música "Só os Loucos Sabem", da competente banda jovem Charlie Brown Jr., com destaque para o trecho que diz: "TODA A POSITIVIDADE EU DESEJO A VOCÊ".

33 - no nome das pessoas, os sufixos "ANA", "ENE" e "SON" deixariam de ser alvo de preconceito de gente fresca que acha que "ai, mas são nomes de integrantes das classes C, D e E". Dessa forma, teríamos vários LORDS WELLERSON SILVA, bem como diversas CONDESSAS REGIENE MARTINS e, assim, venceríamos paulatinamente o preconceito socio-racial que permeia a sociedade.

34 - como já diria o sempre sagaz Mitsudiz, a já vulgar e batida expressão "SENSACIONAL" daria lugar à boa e velha "SHOW DE BOLA".

35 - o Cabeção da Malhação concorreria E GANHARIA um Oscar. Impossível não pensar na Meryl Streep no palco abrindo o envelope e dizendo: "And the Oscar goes to..... SERGINHO HONDJAKOFF"

36 - fumar crack seria o novo "tomar um café". Imaginem a notícia, sempre narrada pelo Marcio Canuto: "Nesta terça-feira, 47 chefes de Estado se reuniram na sede da ONU e fumaram crack enquanto debatiam a segurança nuclear das nações"

Caso essas 36 ações fossem implantadas, certamente o IDH brasileiro e mundial subiria em níveis estratosféricos. Votem em mim. #VoteForPedro