sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

El viejo y yo

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Estava quase certo de que era ali, dos fundos daquele boteco fétido, de paredes aderentes e mesas plásticas, que emanava algo.
Peço perdão pela subjetividade, mas não consigo descrever com exatidão o que era aquela força mágica que adentrava meus poros e me atraía feito um pobre diabo.
Pronto, pensei. Minha irremediável curiosidade havia sido atiçada. Subi um, dois degraus. Em vão, pedi passagem a um bocado de ébrios, exalando insalubridade por cada um de seus incontáveis pêlos.
Continham em seus rostos, porém, algo estranho que não pude deixar de notar. Não pareciam se incomodar em integrar esse mundo à parte, sem luxo e com poucos cômodos. Foi o que pude notar entre seus olhos firmes. Eram plebeus de poucas sobrancelhas que não tinham nada a esconder.
O bafo ficava mais forte conforme eu adentrava aquele lugar. Devia ser uma indicação do caminho. Quiçá um rastro. Sem requinte algum, é verdade. Enfim, segui aquele cheiro nada doce de açúcar. E cheguei ao banheiro. Era dali que provinha aquela melíflua energia sobrenatural, não restavam mais dúvidas. As paredes, que um dia tinham sido alvas, hoje não passavam de alvos. Eram anteparos praquilo que o homem quer e precisa devolver à natureza. Estou falando de vômito. Vômitos. Muitos. Vi comida e perdi o apetite, que já era escasso. Rodelas de cebola, nacos de calabresa, metades de salsichas, bolovos e até palitos de dente.
Minto. Eu já estava sem apetite. E em meio à podridão, e urros, e uma lâmpada inútil, e uma névoa doentia, avistei uma cabine. Timidamente, espiei pela portinhola carcomida entreaberta.
E ali, bem ali, finalmente tive a visão da genialidade e de todo o poder de Baco. De imediato, me vi súdito de uma realeza a resmungar os músculos em seu trono, a proclamar a independência de si mesmo, fazendo justiça sobre o eco da porcelana e declarando-se livre do mais efêmero sofrimento.
Sim, eu vi o Velho Barreiro.


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domingo, 11 de janeiro de 2009

Os feridos

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Jogue pela direita ou pela esquerda, viva no país em que viver, seja descendente do que for, tenha nascido onde tiver, com a pele da tez que for, creia no Deus que preferir; mas permita-me duvidar de tua indiferença ao que ocorre hoje lá do outro lado do mundo.

O mais estranho é que, por algum motivo (e algo me diz que a propaganda tem a ver com isso) soa piegas e até um tanto ridículo derramar lágrimas ou perder o sono por isso. Quem o faz parece demagogo ou hipócrita... É cool, contudo, se emocionar com a eleição de um novo homem forte na América. São os ventos da mudança soprando na terra da democracia. Mudança? Democracia? Bem, isso é outro assunto e, bom, o meu ceticismo não vai me desviar do que importa aqui.

Como numa novela, tende-se a adotar uma visão maniqueísta dos fatos. É típico de nós, não há como negar. É cômodo. Perde-se então a oportunidade de estudar a fundo a história, como ela é. Boa parte da imprensa, sob o pretexto de "adotar uma postura independente", amarela e não se posiciona. Pra quê se comprometer? O inconfundível sotaque provinciano de Antônio Roque Citadini já alertava para a tal "imprensa marrom". Nas entrelinhas, contudo, pode-se ler muito. Ora, ser independente e isento é uma coisa (e é isso que se espera da imprensa, afinal - e não é nenhum favor). Ser imparcial é outra. É o equivalente a pipocar. E olha que a mídia do Brasil tem ficha corrida nesse quesito...



São 901 mortos e 3695 feridos em Gaza até agora, certo? Errado.

Fale a verdade... assim como eu, quando ouve o termo "ferido", você é tomado por um estúpido alívio e pensa: "Bom... menos mal, pelo menos não morreu". Fica aí a impressão de que o ferimento é uma leve escoriação, um hematoma ordinário que logo nem se fará mais notar. Bem... não é bem assim. Em genocídios como o presente, perdem-se olhos, pernas, braços, mãos, sentidos... O mais importante: perdem-se lares, mães, pais, maridos, mulheres, filhos, avós. Perdem-se razões para viver. Ganham-se, pois, razões para matar. Perpetua-se o ódio e a política (o que é isso?) passa a segundo ou terceiro plano. Isso é chover no molhado. Resta um trauma... um trauma que eu, da frieza desse computador - e desse país que esquenta os motores para o imperdível BBB 9 - não sei descrever. E provavelmente você, que teve paciência para ler esse texto, também não sabe. Não sabemos porque não vivemos isso. E não é egoísmo nenhum dizer "ainda bem".

Mas sim, amigo, sem pieguices, a cada segundo que passa pode acreditar que eu tenho mais e mais motivos para me somar a essa lista.


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