sexta-feira, 23 de julho de 2010

Mulambus

.
Ela era grande, não vou negar. Impetuosa, impactante, imponente. Ruiva, lábios mais fartos do que a encomenda sujos de batom e olhar distante. Imerso em luxúria e inebriado tanto pelo alambique quanto pelo par de balangandangos que ali, na calçada do nº 822 me eram oferecidos, logo me vi obrigado a entrar e sentar para não passar por mais constrangimentos.

Meus dois comparsas simplesmente me seguiram boate adentro. O host, magrelo e ávido, não sabia o que quer dizer 'host'. Foda-se. Certo ele, malditos anglicismos.

Primeiro round: veio Marcela. Uma semi-gorda de 1,60m, microssaia e olhar cúmplice, carente, quase pedinte. Dizia ser do sul, mas o sotaque era do norte. Centro-oeste, na verdade. Uma boiadeira? Caipira, redneck tupiniquim, sertaneja? Eu não me importava. Nas costas, uma tatuagem. "Eternamente Gustavo". Na barriga, uma cicatriz. Das duas uma: ou Gustavo era seu filho, nascido de uma cesariana; ou ela era uma masoquista apaixonada por um bandido com esse nome, que lhe deixou marcas de ódio. "Se eu te pagar uma bebida, você me deixa em paz?". Ela entendeu o recado.

Eis que começou um show. O locutor anunciou um espetáculo de amor feminino. Mergulhei de vez na pândega e, após uma dose da mais pura e tetradestilada vodka russa disponível no Centro da cidade, ouvi uma versão funk de "P.I.M.P.". Que caralho é isso? Pagaram direitos autorais ao 50 Cent? Bem... com a sabedoria de quem foi baleado nove vezes, ele não cobraria isso desses caras. Inspirei-me. Respirei.

Subiram ao palco duas fêmeas. Uma com cabelo raspado dos lados e aparência schwarzeneggeriana e outra com traços delicados e peitos escandalosamente estrábicos. Após ver muita língua, pêlos, dobras, entranhas e testas franzidas, elas saíram. Já não era sem tempo. Uma chatice só.

Parto para o absinto. Sinto que vou vomitar. Meus amigos desapareceram. Provavelmente estão no andar de cima. Era aquilo o inferno, quente, abafado, vermelho neon, pecaminoso e tentador?

Segundo round: ao som de Madonna, uma quarentona se aproxima. Cibele. "É nome de guerra, certo?" O sorriso já entrega. Não há Cibeles com mais de 30, simplesmente não há. Com a mão em minhas coxas, ela sussurrava algo que sinceramente não entendi. "Vou no banheiro".

No caminho, um barbudo saía do W.C. coçando o nariz. Nada mais clichê. Ah, as aparências. De joelho vazio, atravessei de volta aquele corredor, fuzilado por olhares ébrios de felinas da lingerie mais barata. Desconforto. Saí do lugar desencantado com o mundo. Paguei os 13 reais que devia, apertei o passo e voltei para o ar fétido do mundo real. Respirei.

Olhei para a calçada e vi uma mulher moribunda. Físico esquálido, suja, vivendo das bitucas do mundo, deitada na calçada, sem forças pra rir, chorar, gritar ou resmungar. Lembrei-me de Graciliano Ramos, do vestibular, de Portinari, Renato Russo e do Datena. Achei bonito. Inspirei. Me inspirei.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Sugar Ray Charles

.
Carlos era burguês. Orgulhosamente burguês.

Ao entrar em sua casa, qualquer um logo se deparava com um par de vasos posicionados simetricamente, sustentando pares de xaxins de samambaias, carinhosamente tidas como originais pelo dono. Aaahh, nada como o verde! A natureza em seu mais primitivo e inofensivo estado. A querida mãe natureza. A flora. O ecossistema, tão ameaçado naqueles dias.

Mas a impressão de estar num ambiente asséptico e impoluto afligia o visitante antes mesmo que se cerrasse a porta de mogno do elevador do condomínio Buckingham Park Hills. Aparentemente, a sensação vinha de baixo. Subia do chão, emanava andar por andar. Ou será que nascia ali mesmo no décimo primeiro? Enfim, qualquer reflexão era prontamente interrompida, já que hmmmm.... Carlos usava Gleid. Maravilhoso cheirinho de lavanda que brindava as narinas, trazendo um ar camponês ao lar. Coisa de outro mundo!

Na porta - era outubro -, via-se uma guirlanda natalina em forma de bota ou meia (não estava bem claro). "É de boas vindas ao bom velhinho", dizia o anfitrião, satisfeito enquanto fitava fixamente o adorno rubro-verde. No chão, um capacho saudava: Wilkommen. "Acho que é 'bom dia' em holandês". Um olho mágico meio que intrigava quem chegava àquele hall, ajudado por uma luz que se acendia automaticamente. Funcionava por sensor. Tempos de economia. Fundamental, pensava Carlos.

Após finalmente entrar, avistava-se um lavabo. Coisa simples, pequena, e enfeitada por revistas de interesses gerais, dessas de recepção de dentista. Com o consentimento das persianas, as paredes, alvas como nuvens, e o assoalho quase intacto brilhavam intensamente, bronzeados pelo reflexo do sol. O home theater que Carlos não usava desde julho estava lá, discretamente coberto por um ou dois dedos de pó. "Tá com problema", dizia o dono, talvez para disfarçar seu desinteresse pela recente aquisição.

Eis que entravam em cena duas figuras que provavam, de uma vez por todas, o quão ímpar e singular era Carlos. Quiçá, a psicanálise se encarregasse de explicar a imponência que aquele par de bichanos - batizados de Merlin e Oz - acrescentava à personalidade d'uma pessoa de bem como ele. Pois não eram cães, eram gatos! Eram felinos e, como tais, eram imprevisíveis. Eram blasé. Eram, enfim, presentes de Dionísio em terra de Apolo. Por dentro, Carlos sentia-se melhor que Arnaldo, amigo do andar de cima, que gabava-se, pobrezinho, de ter dois poodles.

Na mesinha da sala, três livros espessos e novos. Em um deles, era possível ver o autor: Dan Brown. Na coleção de cd's, clássicos: Bee Gees, Lighthouse Family, Simply Red. E também um básico que não poderia faltar: Anna e Jorge. Na estante de dvd's, o xodó de Carlos: Divas Reunion - Live 99'.

Ainda ali, na mesinha, um cartão de crédito. Sobre ele, um estranho juntado de pó ou grão branco, parecido com açúcar, que dava a entender que nem tudo andava em seu devido lugar por ali.

Texto publicado no meu antigo blog, em 26/08/2008.

A Copa da minha vida

.
Os críticos têm mania de dizer que a Copa de 94 foi feia. E eu teimo em dizer que não. Que, entre todas que eu vi, foi a melhor. Quem sabe por ter sido a primeira. Quiçá por eu ter 6 anos na época e sair mais cedo da aula pra ver os jogos da Seleção, com toda minha família reunida aqui em casa. Me sentia tão malandro por isso...

Ótima lembrança dos tempos em que eu ainda torcia pra Seleção. Me lembro do álbum que meu primo Danilo tinha e completou. Eu o estudava minuciosamente, noites a fio. Queria saber tudo sobre todo mundo.

Como esquecer do figurante Bum Chul-Sin, goleiro reserva da Coreia?

E do Julio Salinas, centroavante da Espanha, que tinha muito mais nome do que futebol?

E aquele golaço inesquecível do Al-Owairan contra a Bélgica. E logo em cima do Preud'Homme, um dos maiores goleiros que eu vi jogar.

A cotovelada do Tassotti que quebrou o nariz do Luis Enrique nas quartas-de-final, que fez aquela disputa ser ainda mais épica, com uma pitada de maniqueísmo.




A falha grotesca do Pagliuca, que tava adiantado, na estréia - com derrota, pra variar - da Itália, contra a poderosíssima Irlanda, do bigodudo John Aldridge.

E o fiasco que foi a Colômbia, de quem tanto esperavam? O time tinha Asprilla, Rincón, Valderrama, Valencia, Aristizabal - na época, um reserva de luxo - e era tido como a grande promessa da Copa, já que tinha metido 5x0 na Argentina em pleno Monumental de Nuñez, em 93. Terminou a competição e teve o zagueiro Escobar assassinado, depois do gol contra que fez, a favor dos Estados Unidos. Falando em Colômbia, não dá pra esquecer daquele golaço do Hagi em cima do Cordoba, que se posicionou mal demais. Levou até 2000 pra eu me convencer que, apesar da péssima Copa que fez, ele era um bom goleiro.

Nunca tiro da cabeça aquele grande time da Romênia que tinha Petrescu, Dumitrescu, Lacatus, Radoucioiu, Prunea, Prodan, Popescu e, claro, o craque Hagi. Jogavam fácil. Acho que foi com eles que aprendi o que era contra-ataque.

Teve também a Nigéria, que tanto me encantou com o monstro Okocha, com Daniel Amokachi, Emmanuel Amunike. Um futebol lindo e imprevisível, jogado sem medo. Não importa o resultado, não importa o que digam... aquilo era arte. Teve aquela cena, a mais bela de todas as Copas pra mim: o Yekini, trajado daquele uniforme que parecia um pijama, chorando agarrado às redes, depois de marcar contra a Bulgária o primeiro gol da história da Nigéria nas Copas.



Não esqueço também dos EUA, que jogavam um futebolzinho chocho, mas davam trabalho e eram treinados pelo milagreiro Bora Milutinovic. Diziam que o craque do time era o Eric Wynalda, um atacante mais ou menos do nível do Maxi Biancucci, que cobrava faltas bem. Lembro que o Harkes, capitão do time, levou um amarelo por ficar saltitando enquanto tava na barreira. Certamente, um dos cartões mais inexplicáveis e bisonhos da história do futebol. Lá atrás, tinha o Toni Meola, um goleiro com cara de ator do Barrados no Baile, com aquele rabinho de cavalo do naipe do Steven Seagal. O time tinha uma boa dupla de zaga, é bem verdade: Alexi Lalas - e sua inconfundível barba ruiva - e Marcelo Balboa, que quase fez um gol antológico de bicicleta. Tinha também o Cobi Jones, que chamava mais atenção por causa dos dreads do que pelo futebol e chegou até a jogar no Vasco, em 95.

Dreads que o grande Henrik Larsson também ostentava na época. E que lhe renderam o belo apelido de Larissa, pelo meu primo Dudu. E olha que ele era reserva naquele time da Suécia, que foi 3º colocado. O time tinha o folião Ravelli no gol, o gordinho e excelente Brolin na meia, o gigante Kenneth Andersson e o Thomas Dahlin (clone do O.J. Simpson, que tava em voga na época), lá na frente. Esse último era considerado o craque do time, mas não jogava tudo isso. Aliás, nada disso.

Tinha também a Bulgária do cracaço Stoichkov, do insinuante baixinho Kiriakov (que sempre entrava bem nos jogos), do grande meia Balakov, com seus cachinhos, e do excelente segundo volante - que era quase um meia - carequinha Letchkov. Tinha também o goleirão Mihailov, que tinha sérios problemas com a calvice. E, entre aumentativos e diminutivos, ele. O zagueiro-lobisomem. O jogador mais feio que eu já vi na vida. O grande e temível Trifon Ivanov.



Na Suíça, lembro do atacante Chapuisat, que era ídolo do Borussia Dortmund e do camisa 7, Alain Sutter, um loirinho cabeludo, considerado o craque do time. Tinha um atacante ligeiro também, chamado Knup, mas no geral, o time era bem medíocre.

E na Rússia, como esquecer da dupla de ataque que trucidou Camarões? Oleg Salenko (autor de cinco gols só naquele jogo) e Dimitri Radchenko. E pensar que o Salenko só foi virar titular no último jogo, quando a vaca já tinha ido pro brejo...

Camarões do Highlander Roger Milla, de seu parceiro Omam-Biyik e do goleiro Joseph Bell, que deixou o lendário Jacques Songo'o e William Andem no banco. Sim, William Andem é aquele arqueiro de qualidade questionável que passou por Cruzeiro e Bahia e que levou um gol detrás do meio-campo do Dutra, lateral-esquerdo hoje no Sport e na época, em 97, no Santos. Me lembro também, claro, do zagueirão Rigobert Song, que já naquela época aprontava das suas peripécias.



E a Bolívia do goleirão Carlos Trucco, do lateral Cristaldo, dos meias Erwin "Platini" Sanchez, Baldivieso - que já fez um gol do meio da rua no Marcos - e, claro, de Marco Etcheverry? El Diablo era apontado como um fenômeno e foi expulso logo na estréia diante da Alemanha. Gol polêmico do craque Klinsmann, eu lembro. Todo mundo pediu impedimento, mas não foi. Aliás, foi ali que eu aprendi o que era o tal do impedimento.

A Alemanha era a atual campeã e tinha Illgner no gol, Völler e Klinsmann na frente, Brehme na lateral, Matthäus de líbero, Kohler e Helmer na zaga, Möller na meia... mas eu lembro mesmo é do limitado Guido Buchwald. E do dedo do meio do Effenberg pra torcida, quando foi substituído contra a Coreia.

E aquela cotovelada sinistra do Leonardo no Tab Ramos, hein? Mó burrice. Foi no dia 4 de julho de 1994. Eis que o Romário achou o Bebeto, que chutou fraquinho, no único espaço que tinha. A bola entrou mansa no gol do Meola e derrubou a garrafinha d'água antes de morrer na rede. Na comemoração, eu lembro dele olhando pro Romário e falando "eu te amo!".



E nas quartas-de-final, quando o Brasil cruzou com a Holanda do Ice-Man Dennis Bergkamp e do Overmars, que tava surgindo com tudo? O melhor jogo da Copa, talvez. Começou fácil e terminou um sufoco. Malandragem do Branco, cavando aquela falta. E o Baixinho desviando as costas da bola? A classificação do Brasil passou por milímetros ali. Foi nesse jogo também que surgiu aquela comemoração do Bebeto, em homenagem ao filho dele. Matheus, se não me engano, era o nome do rebento. Já nasceu famoso.



E a Argentina, que era favorita, desapontou, como fez em 2002. Isso com Redondo (provavelmente o maior volante que já vi) no time. Acompanhado de Batistuta, Cannigia, Simeone, Ortega e Ruggeri. Tinha também o zagueiro carequinha do Boca Juniors, Mac Callister. Isso lá é nome de argentino? Eu, inocente como era, não entendi nada quando apareceu uma mulher de branco levando o Maradona pelo braço, no meio do jogo.

Ah... teve também aquele histórico beijinho do Pagliuca na trave, depois do chute do Mauro Silva na final. Ele ia levar mais um frangaço.

Pô... depois de lembrar de tudo isso, ainda tem gente que quer me convencer que essa Copa foi ruim? Sem chance.

Texto publicado no meu antigo blog, no sugestivo dia 08/08/2008.

O mais próximo do fascismo que o futebol moderno chegou

.
No post anterior, fiz questão de ignorar o ridículo Campeonato Paulista de Futebol Feminino de 2001.

O certame transmitido pela RedeTV!, ficou conhecido por usar a beleza - um conceito, até onde sei, subjetivo - das atletas como "critério de desempate" no draft realizado antes do torneio.

Segundo o eterno Eduardo José Farah, presidente da FPF naquele e em muitos outros anos, a iniciativa tinha a intenção de "dar uma nova roupagem ao futebol feminino", que andava "muito reprimido pelo machismo". O brilhante critério foi criado pela competentíssima Pelé Sports & Marketing e prontamente avalizado pelo vice da Federação, Renato Duprat - de quem os corinthianos e santistas guardam lindas lembranças.

Caso estivesse interessada, Sissi - a maior jogadora da época - não poderia jogar o torneio, já que o regulamento proibia a presença de atletas com a cabeça raspada. Além disso, previa que as jogadoras usassem maquiagem e uniformes justos. Tudo isso, claro, para afastar o futebol feminino do machismo. Regulamento criado, diga-se de passagem, só por homens.



E eu fico a imaginar:

Quem sabe a empresa de Pelé não tenha se inspirado nas medidas ultra-autoritárias de outro cidadão de quem a massa corinthiana morre de saudades: Daniel Passarella.

O técnico da Argentina em 98 deixou de levar Fernando Redondo à Copa só por ter cabelos compridos. E só não deixou o artilheiro Batistuta de lado porque este aceitou tosar suas prezadas madeixas.



O interessante é notar que tanto a Argentina quadrifinalista na Copa da França, quanto o Campeonato Paulista Feminino de 2001 não vingaram.

E o esporte bretão agradeceu.

Texto publicado no meu antigo blog, no dia 11/08/2008.

Yankee?

.
Me lanço no blackjack depois de umas Cubas Libres, amigo.
Vou fundo e, fuck, meus dólares acabaram! Whatever, manda mais um drink, bartender. Um whisky, tá? Preciso deletar esse fracasso urgente. Now!

Como diabos faço pra sair desse pub? Bom, deixa eu pensar... Esse host tem cara de babaca. Manja, uns maluco meio dumb-ass, meio redneck, desses que você não bota fé? Bem loser mesmo. Mas tá conversando com um tira. E tem ainda um fortão no staff. Aí fode.

Vou ao W.C. espairecer, fumar um Marlboro. Saio com uns pingos no jeans e uma stripper com lábios gordurosos de gloss me pergunta se eu tenho algum motivo pra andar descalço por aí. Oh, Jesus, esqueci meu tênis lá dentro! Dou exatos doze passos, no tic-tac de meu Swatch, abro a portinha estilo Saloon e avisto meu belo par de Nike. Querido par de Nike! Lindo. Branco. Grande. Clean. Um design meio vintage, fashion pra caralho hoje em dia. Lembra o do Air Jordan. Fresquinho, direto do shopping. Não gosto de contar, mas tava 40% off. Não tinha como não aproveitar.

Mas goddammit, o que isso importa agora? Eu tenho que pensar em como sair daqui. Volto lá e uma tal de Kelly me pergunta se eu gosto de hip-hop. Minto e digo que curto os hits desses caras mais popstars, tipo Eminem e 50 Cent. Ela parece gostar, vai até o DJ e cochicha algo, parece que tava pedindo uma música. Do nada, eles começam a discutir e o clima na boate fica tenso. Ela chora. Eu vou consolá-la. Que bad, eu digo. Com o rosto ainda molhado, ela olha pros meus pés e diz algo que muito me anima. Uau, estaile esse seu tênis, hein? Era justo o que eu queria ouvir. Gostei da menina. Ela não parecia querer meu dinheiro. Além disso, era a típica moreninha mignon. Feia - parecia um jogador de rugby -, mas com pedigree, manja? Não curto aquelas mina com bafo de Close-Up e cara de lady. Enfim, essa Kelly tem sex-appeal. Então, embalado pelo rock'n roll do jukebox - o DJ, de tão puto, já tinha ido embora - como quem não quer nada, lanço: eu tenho uma cama king-size, sabe? Parece que é o password pro sucesso. Os olhos da mina brilham. E eu só pensando em como eu ia fazer pra sair dali.

Vou ao toalete de novo. Expulso o hot-dog que comi no almoço com raiva. Com direito a ketchup. Malditas hemorróidas. Ponho de novo a calça e, eureka!, penso num jeito de sair dali. É arriscado. Meio James Bond. Talvez um pouco mais covarde que isso. Enfim, o fato é que eu achei 5 pratas no bolso.

Volto, olho bem praquela pituzinha marota, com um shortinho sexy me esperando e me sinto em Hollywood. Só falta um smoking, uma arma e licença pra matar. Não... pensando bem, é meio Mc Gyver. Enfim, só sei que mal consigo fechar meu ziper de tão feliz que eu tô. Tem que dar certo.

Olho pro gigante do lado do host dorminhoco. Meio cochichando, chamo: Psiu... Ei, negão, vem cá. Eu sei que cê tá sem comer há um tempão, né? Tó - puxo o dinheiro amassado e rasgado como se fosse um cheque de banco suíço -, aqui tem cinco conto, come alguma coisa e fala que é por minha conta, beleza?

Essa porra desse negão sussurra, não responde direito. Definitivamente, um homem de poucas palavras. Mas acho que ele disse sim. Ele vai no balcão e pede um americano. Aproveito o deslize, pego a Kelly pela mão e me mando daquele lugar quase às moscas.

Entramos no meu Palio Weekend e ainda olho praquele neon vermelho e verde, com poucos watts sobrando, dizendo: "Sereia's Bar - Com Sauna", viro a esquina da Dr. Zuquim e vou-me embora.



Texto publicado no meu antigo blog, em 14/08/2008.

A letra virou número

.
Há muito, um rouxinol me contou que o futebol virou negócio. E que é coisa para os românticos mais tolos admirar a estética, o esporte, a plasticidade, a arte, a imaginação... isso é besteira.

Qualquer manifestação de improviso, por mais tímida que seja, é logo enquadrada por doze ou treze microfones, um ou dois publicitários muito bem intencionados, uma Montblanc, dois ou três homens de fraque, um pedaço de papel e uma rúbrica humilde.

E é assim, com urubus coadjuvantes, que o circo todo é montado, sempre em torno do bobo-da-corte.

Em 2002, o Brasil assistiu o surgimento de um negrinho abusado das pernas finas. Seu nome: Robinho. As pedaladas eram sua marca registrada. A mesma que havia consagrado um outro garoto de esqueleto frágil seis anos antes: Denílson.

O destino que os aguardava? Europa, seleção canarinho, flashes e mais flashes, contratos, comerciais, chuteiras, eventos, silicone, promiscuidade, manchetes, carros do ano e sorrisos tão amarelos quanto o manto nacional. E assim, gentilmente, o original cedeu seu lugar ao clichê. O futebol-arte virou pop-art.

"Pra dentro deles, Denílson", diz o locutor ufanista. Aliás, dizia. Hoje em dia, o produto já passou da validade e mofa nas prateleiras do Parque Antarctica. O momento é de Robinho. Mas o tempo passa e logo será a vez de Pato. E assim gira a engrenagem, triste e previsível.

O ciclo é mais ou menos assim: na base, moleque que se preza tem que mostrar que é diferenciado. Tem que dar caneta, dar letra, fazer gol de placa. Enfim, tem de mostrar que ali tem coisa boa. Se der tudo certo, ótimo. Profissional... uma vez no topo, a letra dá lugar ao número. Seja ele um número circense, como é o caso de Robinho ou um punhado de estatísticas, como é o caso de Jorge Wagner. O certo é que todos eles, protagonistas e figurantes, estejam em frente ou atrás das câmeras, gostam mesmo é das cifras. E essas, afinal, não deixam de ser números.



Texto publicado no meu antigo blog, em 02/10/2008.


Diariamente 2

.
Para curvar-se, Rei
Para roubar, castelo
Para correr, Nike
Para punir, Bope
Para matar, Nascimento
Para bater, Cocito
Para comer, Mc
Para ouvir, MC
Para entreter, VJ
Para dançar, DJ
Para falar, Halls
Para beijar, Trident
Para consumar, Audi
Para fotografar, idem
Para mentir, promessa
Para começar, asfalto
Para dar voz, rede
Para tirar, TV
Para aparecer, Rede TV!
Para esquecer, Bossa Nova
Para criticar, rap
Para tocar, jabá
Para desgostar, chefe
Para degustar, chef
Para enrijecer, Viagra
Para enriquecer, indústria
Para choramingar, novela
Para lacrimejar, cebola
Para azedar, vinagre
Para exportar, pés
Para pisar, terra
Para sambar, avenida
Para aprender, linha
Para sobreviver, confissão
Para consertar, academia
Para insistir, bisturi
Para desfilar, dieta
Para clicar, passarela
Para assombrar, notícia
Para versar, tecla
Para beber, Boa
Para devolver, marvada
Para esbanjar, cifra
Para lavar, ONG
Para brigar, pouco
Para morrer, menos
Para conservar, democrata
Para playboy, Caras
Para caras, Playboy

Texto publicado no meu antigo blog, no dia 26/8/2008

quinta-feira, 24 de junho de 2010

O jornalismo precisa lembrar de 1922

.
Após ler o ótimo texto do jornalista Leandro Fortes, que critica o show de descompromisso com a notícia em que se transformou o jornalismo esportivo atual, e tendo eu mesmo feito um guia da Copa do Mundo que usa e abusa de piadas marotas, pensei: "Essa carapuça quase me serviu. Mas, por sorte, ficou um pouco larga". Minha mão então começou a coçar e, incomodado, eu vim aqui pro meu blog - e último refúgio - escrever uma espécie de defesa, nem que seja apenas pra mim mesmo.

Não é segredo para ninguém que vivemos a era do entertainment. Minha geração, mais americanizada que todas as anteriores (pagando a conta da geração passada, movida a muita gente que tinha ereções quando ouvia falar do Walt Disney World e afins), é a grande responsável pela consolidação deste fenômeno nos meios de comunicação brasileiros. A onda made in USA atingiu até mesmo o outrora fleumático jornalismo, que não teve forças para reagir e se reinventar à brasileira. Hoje, vemos cada vez mais homens da mídia fazendo nas redações algo parecido com o que Robinho por alguns anos fez dentro de campo. Já ensinava um filho pródigo do Tio Sam, "there's no business like show business". Em se tratando da mídia esportiva, então, tudo - absolutamente tudo - é firula. É a estética pela estética. Naturalmente, isso resulta em um conteúdo raso e atrai a antipatia de muitos. E a esses, dou toda a razão: ora, nem tudo é para ser tratado com exclamações. E, convenhamos, os clichês repetidos diuturnamente por aí chegam ao ponto de machucar o cérebro de qualquer um com o mínimo de poder analítico.



O cerne da questão é que hoje, pensando de maneira pragmática, o jornalista tem três opções.

1 - Ir com a maré. Transformar definitivamente o jornalismo num espetáculo, ceder à superficialidade, plastificar seu sorriso e alienar seu público, tratando-o cada vez mais "como retardado mental", como descreve Leandro Fortes. Jogar no time que está ganhando, afinal, é sempre mais fácil. Especialmente quando o homem da mídia tem a seu favor o cada vez mais limitado discernimento de sua plateia. Aliás, é esse o triste quadro a que chegamos: ao assistir a um noticiário, você não é mais público, e sim plateia.

2 - Ir frontalmente contra a maré. Adotar uma corajosa postura de resistência, equivocadamente vista por muitos como 'conservadora' e privilegiar sempre o conteúdo em detrimento da forma, mesmo sob o risco de ser considerado sisudo, ranzinza e, a rigor, mais do mesmo. Essa corrente, em geral, é composta por membros que derivam do jornalismo escrito.

3 - Fazer um esforço hercúleo para agregar as qualidades mais importantes das duas correntes: a forma, na primeira, e o conteúdo, na segunda. É difícil, mas não impossível.

Um Guia Legal Pra Caramba tentou mostrar que a opção 3 é viável. Em momento algum, seus autores privilegiaram uma piada em lugar de uma informação, crítica ou notícia. Trata-se de bom senso. Da noção do que dizer, quando dizer, como dizer. Apesar de ser redundante falar, nem sempre é isso que vemos nas publicações/transmissões por aí.

Felizmente, o futebol - e aí eu discordo de Leandro Fortes - não se tornou apenas "um negócio de bilhões de reais". Como isso ainda não aconteceu, esse esporte nos permite aguçar o lado lúdico do ser humano, que vai muito além de um evasivo patriotismo quadrienal, e é terreno fértil para brincadeiras, piadas, críticas etc. O problema é que chegamos a um ponto em que dizer isso - e dessa forma - soa tolo. Inocente. Piegas. Melancólico. Patético. Até manipulador.

Qual, afinal, é a melhor forma de se enxergar esses novos ventos que sopram na mídia?

Bem, considerando todas as já citadas peculiaridades do esporte (que o distinguem da política, da economia etc.) a própria língua portuguesa oferece inúmeras possibilidades aos profissionais mais dispostos a quebrar paradigmas. Que tal começar por trocar figuras de linguagens consagradas, como as hipérboles ufanistas, por outras muito menos exploradas, como as ironias questionadoras? O futebol já deu incontáveis demonstrações de ser um fenômeno sui generis e, por si só, ter força para servir como metáfora para reflexão sobre as diversas outras áreas da vida. Basta apenas que não seja visto com a frieza de quem o reduz a cifras nem com a afobação de quem só pensa em transformá-lo num espetáculo enlatado.

É um enorme desafio, sem dúvidas. Mas a Antropofagia de Oswald Andrade nos mostrou que, sim, é possível agregar aquilo que há de bom na cultura alheia. Incorporar, fagocitar e enriquecer (no mais amplo dos sentidos, óbvio) me parece um melhor caminho que simplesmente rejeitar. É árduo o caminho, mas eu e o co-autor do Guia, Lucas Prata, estamos aí pra colocar abaixo o castelo de areia e tentar, até acertar.

terça-feira, 11 de maio de 2010

12 homens e um degredo

.
Em muitos assuntos, Dunga se mostra incompreensivelmente intransigente e se esconde atrás do 'gosto não se discute' e de seus resultados. Noutros tantos, a opinião pública - guiada pela sempre maleável imprensa brasileira - é que parece vir pronta de fábrica e ser incapaz de fazer qualquer análise racional, ou seja, baseada em fatos e argumentos. Em meio a esse tiroteio de teimosia, introduzi meu bedelho na lista do professor guerreiro e selecionei os 12 nomes mais controversos para opinar.

Doni
A implicância com Donieber começou quando ele era goleiro do Corinthians, entre 2001 e 2003, muito mais por sua cara de banana do que pelo mau futebol. Até porque aqueles que se derem ao trabalho de pensar se lembrarão que Doni teve uma boa passagem pelo Parque São Jorge - onde tradicionalmente se vai do céu ao inferno em questão de segundos. Nas poucas oportunidades que teve na Seleção, o goleiro foi bem. Na Roma, onde perdeu a vaga por contusão, também. Mas, com Victor e Fábio na boa fase em que estão, sua convocação não se justifica, afora o fato de ser arriscado contar com um arqueiro que nem sequer jogando está.

O que me chama a atenção é a constatação de que muito da perseguição a Doni vem do clubismo (velado mas indisfarçável) de diversos formadores de opinião. Não raro, vemos gente diplomada e com salário em dia cobrando na TV e nos jornais a convocação de Bruno, do Flamengo, e Felipe, do Corinthians - dois dos maiores exemplos de inconstância do futebol brasileiro. Doni pode não ser excepcional tecnicamente (como também não o são Bruno e Felipe), mas tampouco é irregular.



Gomes
Mesmo em suas melhores fases, Gomes cometeu falhas infantis e inesquecíveis. Assim como Helton, o goleiro do Tottenham tem sua carreira marcada por uma irregularidade impressionante. Certamente, não seria meu escolhido para a Seleção. Mas a boa fase pelo clube e o jeito boa-praça contaram e lá vai Heurelho Gomes embarcar para o inverno africano, mesmo sabendo que dificilmente será aproveitado.




Michel Bastos
Ainda jovem, esteve presente no rebaixamento do Grêmio em 2004. Em seguida, o então lateral-esquerdo foi para o Figueirense, onde explodiu, com suas cobranças de falta venenosas e seus chutes fortes. No futebol francês, logo virou meia-direita, e dos bons.

Dos mais de 6 bilhões de habitantes do planeta, só Dunga e Jorginho ainda o vêem como um lateral. O resultado são atuações tímidas, que tolhem o talento do jogador. Antes optasse pelos abusados Diego Renan e Marcelo ou, vá lá, pelo discreto (mas experiente... e lateral-esquerdo) Roberto Carlos. Mas o conservadorismo venceu. E onde já se viu conservadorismo arriscado? Welcome to Dungaland.

Gilberto
Há pelo menos 6 anos, desde que deixou o Grêmio para jogar no São Caetano, Gilberto é um competente meia-armador. Mas, a exemplo de Parreira em 2006, Dunga enxerga o atleta cruzeirense como um lateral. Jogando na posição, Gilberto sempre foi discretíssimo, mas seguro. Não encanta, mas também não compromete. Bem a cara do time de Dunga.




Gilberto Silva
Grande surpresa da lista da Copa de 2002, Gilberto Silva venceu a desconfiança geral e fez um torneio perfeito, amparado pelo esquema com 3 zagueiros. Desde então, nunca repetiu o bom futebol, o que nos leva à óbvia constatação de que aquele ótimo desempenho era a exceção, e não a regra.

Apesar de útil nas bolas aéreas, o volante mineiro é muito lento e joga um futebol no mínimo feio. Não pelos chutões - algo que, justiça seja feita, não faz parte de seu repertório - mas pelos passes de lado, por jogar de cabeça baixa e por pensar pouco com a bola no pé (exatamente o oposto do santista Arouca, por exemplo).

Fica a sensação de que Dunga projeta sua imagem em Gilberto Silva, sonhando em reler a manchete: 'jogador execrado na Copa anterior dá a volta por cima e cala a bola dos críticos'. Ah, a vaidade...

Felipe Melo
Contrariando todos os prognósticos, o volante foi se firmando no meio-campo da Seleção. Sua entrada no time coincidiu com o melhor momento da era Dunga, com vitórias convincentes sobre potências em crise como Itália e Argentina. E não é por acaso. Felipe Melo costuma ir muito bem com a camisa amarela, marcando muito bem e conduzindo (às vezes demais) a bola pela esquerda até entregá-la para Robinho ou Kaká.

O problema é sua péssima temporada na Juventus, somada a seu nítido descontrole emocional, que o fez ser expulso várias vezes. Tudo isso, no entanto, seria esquecido por boa parte da imprensa se Melo não tivesse a fama de mala que tem. No frigir dos ovos, sua convocação é justa.

Josué
Os irascíveis críticos que apontam Josué como símbolo de uma era de mediocridade na Seleção se esquecem de dois jogos-chave de grau máximo de dificuldade em que o pernambucano foi muito bem e, por isso, ganhou a confiança de Dunga. Contra o Uruguai (2x1 de virada - conseguida após a entrada do volante na equipe) e na final da Copa América de 2007 contra a favoritíssima Argentina (3x0, com Josué sendo eleito o melhor em campo após anular ninguém menos que Lionel Messi). Em ambas as partidas, o baixinho foi escalado em sua função de ofício: primeiro volante. Ali, poucos combatem como ele, que em seu segundo ano de futebol alemão já ganhou a braçadeira de capitão e contribuiu muito para que o modesto Wolfsburg fosse campeão da Bundesliga pela primeira vez. Tudo isso sem distribuir pancadas, como por exemplo Mascherano sempre fez. Coisas que curiosamente não se ouve em nenhuma discussão de boteco nem nas mesas-redondas. Nessas horas, vemos a falta que um cabelo melhor, um porte físico britânico e uma boa assessoria de imprensa fazem.



Kléberson
Foi a partir da entrada de Kléberson que o 3-5-2 de Felipão começou a funcionar e o Brasil arrancou para a conquista da Copa de 2002. Desde então, o volante/meia acumulou fiascos por Manchester United e Besiktas, até parar no Flamengo, onde atualmente é reserva de Vinícius Pacheco.

Em 2 anos de rubro-negro, Kléberson fez apenas duas partidas realmente inesquecíveis. Na goleada sobre o Palmeiras pelo Brasileirão 2008 e semana passada, quando entrou no intervalo e mudou o jogo das oitavas-de-final da Libertadores, contra o Corinthians. A experiência e o já empoeirado currículo falaram mais alto e pode ser até que Kléberson faça uma ótima Copa do Mundo. Mas isso não significa que ele tenha feito o bastante para estar lá. Thiago Motta, Elias e Hernanes, por exemplo, apresentaram muito mais futebol nos últimos 3 anos.

Ramires
No Cruzeiro de Dorival Junior, Ramires começou como primeiro volante (tendo Léo Silva como parceiro). Com Adílson Batista, passou para terceiro homem de meio-campo e viveu a melhor fase da carreira. Mas seu futebol foi murchando gradativamente, até chegar na atual má fase. Na Seleção, fez duas boas partidas (ambas na Copa das Confederações), algumas medianas e outras simplesmente abaixo da crítica, com a bola queimando em seu pé. Por muito menos, Ronaldinho Gaúcho (que joga em outra posição, diga-se) foi descartado. Mas Ramires é 'guerreiro', não gosta de samba e não é fotogênico, então vai com nós.



Elano
A liberdade e o bom futebol de Maicon só são possíveis pela presença de Elano. Não só pela cobertura defensiva que oferece, mas pela movimentação inteligente e pelo ótimo passe. Pare para pensar: qual a porcentagem de gols do Brasil que passa pelos pés de Elano? Não é pouca.

Aliás, o exemplo do bom meia do Galatasaray escancara uma bisonha confusão muito comum na cabeça de significativa parcela dos jornalistas e torcedores: a diferença entre técnica e habilidade. Elano tem ótima técnica, mas não tem habilidade, não é veloz nem parte para cima dos marcadores. Denílson, por exemplo, sempre foi o oposto. Convocação (e titularidade) justíssima.

Júlio Baptista
Outro ícone pejorativo da Seleção de Dunga, perseguido muito antes de esquentar o banco da Roma. O que seus críticos esquecem é que, quando requisitado, Julio Baptista foi muito bem.

Particularmente, não tenho dúvidas de que Ganso é o reserva certo para Kaká. Mas não é absurdo algum apostar num jogador que já demonstrou personalidade com a camisa da Seleção em diversas situações de pressão. Pelo contrário, ignorar sumariamente uma virtude tão rara seria uma demonstração de irresponsabilidade do técnico. E pela versatilidade mostrada ao longo da carreira, Júlio poderia muito bem ser convocado para a reserva de Elano, apesar de (tal qual Ramires) possuir características muito diferentes das do camisa 7 de Dunga.

Grafite
Há tempos, Grafite merecia ao menos uma chancezinha na Seleção, que já teve Jô, Bobô, Vágner Love, Rafael Sóbis, Afonso Alves e Amauri convocados. No modesto Wolfsburg, o atacante fez chover e, ao lado de Benaglio, Josué, Misimovic e Dzeko, levou o time ao inédito título da Bundesliga, com direito a artilharia, recordes de gols e tudo mais. Um feito e tanto.

Tardou, mas recebeu a oportunidade - mesmo que tenha sido quando já não vivia uma fase tão brilhante como a do ano passado. Com a camisa amarela, foram míseros 26 minutos muito bem aproveitados. Uma assistência para Robinho e uma certeza na cabeça de Dunga: no esquema atual, para aproveitar os cruzamentos de Elano e Maicon, é preciso ter um centroavante de força física, jogando como referência.

Luís Fabiano, companheiro de Grafite no São Paulo em 2004, é titular incontestável para exercer a função. Adriano era o 'reserva absoluto' até conseguir a proeza de queimar seu filme com o técnico, que parecia lhe dar interminável crédito.

A vaga então sobrou para Grafite, claro. E, dentro dos questionáveis critérios adotados nos últimos 4 anos, é justa a convocação. Por suas características (e pelo jeito Dunga de se ver futebol), é mais do que óbvio que Neymar competia com Nilmar e Robinho por uma vaga, e não com os definidores Luis Fabiano, Adriano e Grafite.



Em suma, 5 jogadores receberam minha insignificante mini-aprovação (Josué, Felipe Melo, Elano, Júlio Baptista e Grafite). Os outros 7, não. Mas eu não sou Dunga e nem quero ser. Tô bem aqui comendo meu Doritos.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Uma caixa de chicletes

.
Sempre defendi a ideia de que o futebol brasileiro está repleto de técnicos, mas que tem poucos treinadores. Um técnico escala, monta a equipe e enxerga a coisa apenas como um todo. Um treinador, ao contrário, é detalhista. Observador, ele se preocupa com as minúcias, os pormenores, o indivíduo. Chama o jogador pra conversa ao pé do ouvido e o principal: o faz evoluir. A grosso modo, um bom treinador tira o máximo de cada peça da sua engrenagem.

Sim, porque me soa absurda a ideia que ronda o enfadonho cotidiano atual do futebol, de que um jogador só deve ser lapidado nas categorias de base. Aos 18 anos, ele deve estar pronto para competir com um veterano de 28 e automaticamente para de se desenvolver. Os treinos hoje em dia, pelo que se vê, são para bater cartão e tirar fotos felizes jogando ovo com farinha no aniversário dos companheiros. A evolução dos jogadores a partir dessa altura da carreira (do ato de se profissionalizarem) se dá muito mais pela experiência adquirida nos jogos do que pelo treinamento nos atributos em que é deficiente. E deveria ser pelos dois. Quem nunca teve vontade de ensinar o Adriano a chutar de perna direita, por exemplo?

Vendo o São Paulo 2010 jogar seu futebol paupérrimo e descompromissado, me lembrei da clássica história do maior treinador que o Brasil já teve. Telê Santana, ao comandar o mesmo São Paulo no início da década de 90, ficou conhecido pela atenção quase obsessiva que dispensava a cada atleta. (Quase) Ensinou Cafu a cruzar, fez Macedo deixar de ser um mero velocista, despertou a inteligência de Muller, obrigou Raí a chegar na área para concluir as jogadas... Seu legado não foi pequeno. E os resultados subsequentes também não.



E minha imaginação foi além. Vendo Marcelinho Paraíba recuar uma bola de peito na defesa e originar o gol de empate do Once Caldas, pensei: 'E se Telê fosse o técnico deste São Paulo?'. Convido, pois, o leitor a fazer esse divertido exercício lúdico e acompanhar meu tortuoso raciocínio.

1) O time jogaria num 4-4-2 clássico, e em torno de Hernanes. Telê faria do talentoso meia pernambucano seu novo Raí. O faria jogar definitivamente como meia, não como volante. E o principal: o forçaria a ir à área para concluir as jogadas, não sendo mais um reles assistente. Isso, óbvio, só se consegue com treinamentos específicos e muita insistência. Mais ou menos como Muricy tentou - e conseguiu - fazer com Lenílson, em 2006. E para os que eventualmente torcerem o nariz para essa comparação, uma lembrança: Lenílson foi o artilheiro da campanha do tetracampeonato brasileiro sãopaulino naquele ano, com 8 importantes gols e boas atuações. E marcou na final da Libertadores também.


2) Formaria sua dupla de volantes com Jean e Rodrigo Souto. Apesar de Telê ter, em elencos não tão fartos, escalado jogadores menos talentosos (Doriva, Pintado e Dinho, por exemplo), é claro que, por seu histórico, o mineiro de Itabirito não abriria mão de ter uma dupla que soubesse marcar e sair para o jogo com segurança, com passes inteligentes. E é bom ressaltar que ambos preservam em seu DNA uma característica que Telê prezava: não terem o vício de fazer faltas. Até por isso, o São Paulo levou o segundo gol dos colombianos. Jean não cometeu o anti-jogo e (será?) Telê aplaudiu.

3) E Richarlyson? Bom, esse certamente, passaria pelo menos 3 meses se reciclando com o exigente treinador antes de voltar a campo. Passes, cruzamentos, chutes de longa distância, lançamentos, viradas de jogo, enfim, não seriam poucos os fundamentos a serem corrigidos no obstinado volante sãopaulino. A primeira coisa que Telê diria a ele seria: "Não inventa, meu filho. Se você não sabe, não faz. Futebol é simples".

4) No ataque, dificilmente Washington teria vez. Muitos lembrarão da Seleção de 82 e dirão 'Serginho Chulapa jogou com Telê', se esquecendo que o titular do time seria o contundido Careca. E, claro, não há como comparar Chulapa - o maior artilheiro da história do próprio São Paulo - com Washington, que é apenas um centroavante muito competente, mas em cujos pés as tramas rasteiras costumam simplesmente morrer. Seu repertório de jogadas - para usar um termo da moda - é curto demais para o bico de Telê.

5) Henrique seria lapidado para ser o camisa 9 tricolor. O garoto, hoje, já reúne características peculiares: oportunismo, ótima finalização, domínio de bola e velocidade. O que lhe falta para ser letal? Saber jogar de primeira, como Telê fez com Muller, outrora apenas um bom velocista. E alguém que realmente acredite em seu futebol. Telê acreditaria e a torcida apoiaria o fedelho.

6) Dagoberto seria trabalhado para ser o novo Palhinha. Telê o chamaria de canto e diria: "Você não é mais garoto. Quer acontecer ou ser só mais um?". Em outras palavras, deixaria o camisa 25 encucado. Faria o que sempre fez muito bem: deixar o próprio jogador se cobrar. E pode apostar que o paranaense ficaria até de noite treinando finalizações no CCT da Barra Funda.

7) Cicinho e Junior Cesar seriam obrigados a aprender a marcar. E não seria tão difícil. Preparo físico bom e um posicionamento para encurtar os espaços para o atacante bastariam. Hoje em dia, sabe-se lá porque, dá-se muito espaço para o adversário cruzar. Parece que os marcadores ficam à distância sempre esperando o drible, que não vem. Erro primário e fácil de ser corrigido. Com broncas e ranhetice.

8) Telê gostava de jogar em velocidade. Rogério seria mais útil do que é hoje em dia. Teria também a função de armar contra-ataques velozes com seus lançamentos, como fazia com Levir Culpi, em 2000. Para tanto, teria que ignorar as dores e aumentar a carga de treinos com a equipe nesse fundamento. Será?



9) Miranda e Alex Silva comporiam a zaga. Até aí, nenhum segredo. Mas ai do Pirulito se fizer uma gracinha e entregar um gol. André Luís estaria ali, no aquecimento, esfregando as mãos, pronto para ser o Ronaldão do novo milênio. Miranda, sempre sóbrio e sério, não deveria passar por apuros. E algo me diz que Xandão, que mostrou potencial nesse início de ano, ganharia o status de xodó de Telê.

10) Na meia-cancha, para atuar ao lado de Hernanes, Marcelinho Paraíba seria o escolhido. Canhoto, experiente, bom finalizador e bom lançador. O que lhe falta, então? Segurança. Marcelinho não sabe se é meia ou atacante. Com Telê, seria meia. Fundamentalmente, armaria o jogo, como fez Leonardo no Mundial de 93. E, principalmente, tem faltado a Marcelinho movimentação do resto do time. Não é raro ver o meia paraibano dominar a bola, olhar, olhar e... nada.

Mãos na cintura nunca fizeram o estilo de Telê. Times omissos, que não tivessem gosto pelo bom futebol, que não soubessem dominar o meio-campo, também não. Pois futebol, digam o que disserem, se ganha ali, na meia-cancha. Os times de Telê mostraram isso. Os de Rinus Michels também. Inversões de jogada, laterais que subiam ao mesmo tempo, correr riscos, enfim. Tudo isso faz parte do trabalho de quem é alérgico a 0x0.

O que não faz é ver o sempre disposto Jorge Wagner cobrando laterais para os meias disputarem de cabeça. Faz sentido isso? Ou ver o ótimo - porém deslumbrado - Cleber Santana jogar sem fibra, caminhando pelo meio-campo como se estivesse no Central Park numa tarde dominical. Ver Hernanes pegar a bola, esperar, olhar para a direita, olhar para o relógio, coçar a cabeça, pensar nas manchetes do dia, na capa da Playboy do mês, em dois versículos bíblicos, roer as unhas e não ter a companhia do inexplicavelmente tímido Cicinho pelo flanco destro.



Do jeito que caminha hoje, o time do Morumbi vai sem lenço e sem documento, na banguela, achando - cheio de empáfia - que vai conquistar mais uma Libertadores. E, dessa forma, não vai. Mesmo que possua um elenco superior ao dos títulos de 92, 93 e 2005. O papel não entra em campo. É preciso liderança, ascendência sobre o grupo para fazer o nível das atuações mudar. Quem sabe se presentearem Ricardo Gomes com uma caixa de chicletes, como os que o velho Telê mascava.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O patinho feio, mas bonzinho

.
Perder de 6x0 em casa pra um dos seus maiores rivais é algo quase inesquecível. E que, inevitavelmente, leva a muitas mudanças em um clube. A pergunta é: como o Botafogo vai mudar? A questão é mais grave do que parece e mostra ao país do futebol que, sim, é possível um gigante se apequenar.

É consensual que o time de General Severiano tem o mais frágil elenco dentre os 4 grandes do Rio. O fato é que seus rivais estão dois passos à frente na montagem de seus plantéis. E porque isso acontece?

Ao Fogão, pensando exclusivamente no time titular - e com uma dose de boa vontade - faltam pelo menos um zagueiro e um segundo volante. Ao Fluminense da espetacular arrancada de 2009, todos sabiam que faltavam um zagueiro, um lateral esquerdo e um volante com boa saída para o jogo. E o que Cuca - um especialista na montagem de bons elencos - fez? Foi buscar Leandro Euzébio, Júlio César (o melhor ala esquerdo do Brasileirão) e Everton, do Barueri, para 2010.

Mas o buraco é ainda mais embaixo. No futebol, como se sabe, não se é campeão com apenas 11 jogadores. Precisa-se de banco. Suspensões, lesões, punições, convocações, negociações e outros 'ões' podem gerar verdadeiros problemões aos times com elencos frágeis e heterogêneos. O Flamengo de 2008 deu um exemplo claro disso, após as vendas de Souza, Marcinho e Renato Augusto e as subseqüentes apostas fracassadas em Josiel, Vandinho, Sambueza e cia. O próprio Botafogo de 2007, com um time que liderou boa parte do primeiro turno do Brasileirão, provou desse ácido veneno após a suspensão de Dodô, a negociação de André Lima, a punição a Zé Roberto e a simples - e natural - queda de rendimento e acomodação de uma equipe que contava com reservas que não ameaçavam em momento algum a titularidade de ninguém.



Cientes disso, os rivais (dos) botafoguenses utilizam o fim do mês de janeiro apenas para - salvo exceções, como Vagner Love e Elton, que chegam com status de titulares - contratarem reservas e/ou apostas, jogadores para comporem bem seus elencos. É o que o Flamengo faz com Ramon e Michael (dispensado de General Severiano em 2009, por sinal), por exemplo. Tudo isso enquanto o time de Niterói ainda claudica e sofre para fechar seu time-base, algo que, em condições normais, deveria ter feito em dezembro.

E será que esse fenômeno se dá por pura 'falta de planejamento' da gestão de Maurício Assunção, como gostam de simplificar muitos comentaristas? Não creio. Ora, não sejamos míopes. Deve-se entender que o Botafogo está imerso num círculo vicioso, que o imobiliza e o impede de fazer certas contratações. Em outras palavras, é nítido que o clube não está em pé de igualdade com seus concorrentes na hora de ir às compras.

Afinal, em tempos de futebol-negócio, quem quer vir para um clube que não disputa títulos e que sempre começa o Brasileirão cotado para, no máximo, uma Sul-Americana? Por não ser exatamente um clube de massa, a exposição botafoguense na mídia também é menor que a de seus vizinhos. Quer uma prova? Faça um esforço... qual a última grande venda do Fogão? E qual o último atleta que o Alvinegro cedeu à Seleção (não vale a uruguaia)?

O Botafogo está sem crédito no mercado da bola. Paga hoje a conta das irresponsabilidades cometidas por Montenegros, Mauros Neys Palmeiros e afins ao longo dos anos 90 e do início dos anos 2000. Da época de Emil Pinheiro nem vou falar... Mas a questão é ainda maior que isso. Passa pela mentalidade que impregnou General Severiano, pelo complexo de vira-lata que ronda o clube desde a saída de Jairzinho, Quarentinha, Garrincha, Nilton Santos e cia. A lógica do círculo vicioso que aflige o Alvinegro é simples: quanto mais o time perde, menos os jogadores querem jogar lá. Quanto menos os jogadores querem defender as cores do Glorioso, mais o time perde.



Se coloque no lugar de um jogador em ascenção, o Fulaninho Goiano. Os quatro grandes do Rio te propõem um contrato pelo mesmo salário: 30 mil reais mensais. O que você - provavelmente com o auxílio de seu astuto empresário - pensaria?

Possivelmente, algo como "hmmm... no Fluminense, vou jogar por um bom time, com chance de títulos, ao lado do Fred, de uma garotada boa, num time em lua-de-mel com a torcida e patrocinado pela Unimed, que pode me oferecer muito mais numa eventual renovação lá na frente, como fizeram com o Thiago Silva e o Thiago Neves".

"No Flamengo, vou jogar ao lado de Adriano e Vagner Love, no time de maior torcida do país, disputando uma Libertadores, num time bom, ajeitadinho, com intensa exposição na mídia... Qualquer penteadinho novo que eu fizer, já vou virar notícia. Além disso, é um trampolim para a Europa. Ou pro mundo árabe. Aírton, Renato Augusto, Marcinho e Emerson não me deixam mentir"

"No Vasco, tão fazendo um projeto de marketing que, sabe-se lá como, recuperou a credibilidade do clube, que tem boas perspectivas de crescimento em 2010. E, bem ou mal, eles sempre conseguem negociar jogadores com a Europa, como Alan Kardec, Alex Teixeira, Phellippe Coutinho..."

"No Botafogo, hmmm... eu vou encontrar uma administração correta, pés-no-chão, com salários em dia, um estádio grande. Ah, mas o time é ainda muito fraco e a torcida é uma das mais frias e descrentes do país. É... acho que é só isso que eu vou encontrar mesmo"



É. Tem uma comunidade no Orkut bastante popular entre os jovens namoradeiros que diz: 'bonzinho só se fode'. O Botafogo é bonzinho.