sexta-feira, 23 de julho de 2010

Mulambus

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Ela era grande, não vou negar. Impetuosa, impactante, imponente. Ruiva, lábios mais fartos do que a encomenda sujos de batom e olhar distante. Imerso em luxúria e inebriado tanto pelo alambique quanto pelo par de balangandangos que ali, na calçada do nº 822 me eram oferecidos, logo me vi obrigado a entrar e sentar para não passar por mais constrangimentos.

Meus dois comparsas simplesmente me seguiram boate adentro. O host, magrelo e ávido, não sabia o que quer dizer 'host'. Foda-se. Certo ele, malditos anglicismos.

Primeiro round: veio Marcela. Uma semi-gorda de 1,60m, microssaia e olhar cúmplice, carente, quase pedinte. Dizia ser do sul, mas o sotaque era do norte. Centro-oeste, na verdade. Uma boiadeira? Caipira, redneck tupiniquim, sertaneja? Eu não me importava. Nas costas, uma tatuagem. "Eternamente Gustavo". Na barriga, uma cicatriz. Das duas uma: ou Gustavo era seu filho, nascido de uma cesariana; ou ela era uma masoquista apaixonada por um bandido com esse nome, que lhe deixou marcas de ódio. "Se eu te pagar uma bebida, você me deixa em paz?". Ela entendeu o recado.

Eis que começou um show. O locutor anunciou um espetáculo de amor feminino. Mergulhei de vez na pândega e, após uma dose da mais pura e tetradestilada vodka russa disponível no Centro da cidade, ouvi uma versão funk de "P.I.M.P.". Que caralho é isso? Pagaram direitos autorais ao 50 Cent? Bem... com a sabedoria de quem foi baleado nove vezes, ele não cobraria isso desses caras. Inspirei-me. Respirei.

Subiram ao palco duas fêmeas. Uma com cabelo raspado dos lados e aparência schwarzeneggeriana e outra com traços delicados e peitos escandalosamente estrábicos. Após ver muita língua, pêlos, dobras, entranhas e testas franzidas, elas saíram. Já não era sem tempo. Uma chatice só.

Parto para o absinto. Sinto que vou vomitar. Meus amigos desapareceram. Provavelmente estão no andar de cima. Era aquilo o inferno, quente, abafado, vermelho neon, pecaminoso e tentador?

Segundo round: ao som de Madonna, uma quarentona se aproxima. Cibele. "É nome de guerra, certo?" O sorriso já entrega. Não há Cibeles com mais de 30, simplesmente não há. Com a mão em minhas coxas, ela sussurrava algo que sinceramente não entendi. "Vou no banheiro".

No caminho, um barbudo saía do W.C. coçando o nariz. Nada mais clichê. Ah, as aparências. De joelho vazio, atravessei de volta aquele corredor, fuzilado por olhares ébrios de felinas da lingerie mais barata. Desconforto. Saí do lugar desencantado com o mundo. Paguei os 13 reais que devia, apertei o passo e voltei para o ar fétido do mundo real. Respirei.

Olhei para a calçada e vi uma mulher moribunda. Físico esquálido, suja, vivendo das bitucas do mundo, deitada na calçada, sem forças pra rir, chorar, gritar ou resmungar. Lembrei-me de Graciliano Ramos, do vestibular, de Portinari, Renato Russo e do Datena. Achei bonito. Inspirei. Me inspirei.