sexta-feira, 29 de abril de 2011

O meu worst-seller

.
A gente senta pra escrever assim como quem pára pra tomar um café ou ler uma notinha no pé da terceira página do jornal e despretensiosamente pensa em algum tema. O que vai ser? Na minha atual situação, nem quero ser lido. Quero é regorgitar essas palavras pra fora de mim. Confesso que gostaria muito, muito mesmo, de falar de como o Barça joga o futebol dos meus sonhos de criança. De como o Fluminense e o Inter vencem, mas têm times verdadeiramente medíocres sob quase todos os aspectos. Ou até de como o Cruzeiro tem um timaço e o Montillo é um tremendo craque. É, eu queria, sabe? Mas não é isso que eu preciso expulsar de mim.

Ouço essa chuvinha caindo nos paralelepípedos e nas plantas ali fora e, pra falar a verdade, penso em pouquíssimas coisas. Mas sinto um turbilhão descendo pela minha traqueia e passeando pelo meu peito mais forte que o efeito de um produto em fase de declínio do seu ciclo de vida, como Vick Vaporub. Coisas boas, muito boas. Um mix de marketing de sensações. Se eu não sentisse isso, melhor seria estar deitado numa gaveta do IML com o corpo cheio de formol. E aí, depois de tudo, ao som do saxofone meloso do Katinguelê em "No Compasso do Criador", faço umas sinapses aqui e outras acolá pra entender melhor onde eu tô e onde eu tava uns dias atrás, psíquica e espiritualmente.



Ora, se pra Platão, o amor é falta - e tudo que eu sei sentir agora é falta dela - eu estou nesse beco, vivendo "o velho problema de amar", como diria aquele nego véio do Samba da Vela de Santo Amaro. Mas não, não é e não pode ser tão simples assim. Libido, paixão, apetite, desejo, atração, afeição... nada disso resume o que tava passando aqui. É bem por aí, mas é mais que isso. Era inquietude. Era falta de ar. Era o mundo se movendo no tom e no ritmo da Nova Brasil e eu implorando pra que ele voltasse a ser que nem a Energia 97 no sábado às 11 da noite. "Quero bate-estaca, seu João Gilberto, posso?" Porra, parece que eu tava num rio de águas paradas, entorpecido pela amargura, observando passivamente um aedes aegyptis me picar. O triste e inevitável masoquismo pós-adolescente fazendo mais uma vítima.

Tem gente mais chata do que quem fica choramingando pelos cantos, cíclica e tetricamente assistindo sua própria decadência, esperando uma dose de pena alheia? Tem não. Mas até você passar por isso, acredite, meu amigo, você não pode julgar quem passa. Quem tem vontade de gritar até estourar a última veia do seu pomo-de-adão, mas não consegue. Quem fica com os olhos marejados quando fica 5 minutos sem pensar em nada, e olha pra baixo pra disfarçar. Quem fica sem querer saber da própria vida por uns meses, por mais que algumas oportunidades de felicidade joguem pedregulhos na sua janela lhe chamando pra sair dessa.

Tudo, obviamente, tem a ver com sentir-se sozinho. Mais que isso: sentir-se longe de quem melhor poderia te entender. E por tempo indeterminado. É doloroso como quando você está jogando NBA Live e o jogador que mantinha seu time de pé na temporada, o único grande e verdadeiro craque da equipe, de repente vira free agent. Dá aquela certeza de rebaixamento. Mas aí você lembra que na NBA não tem Série B, e tudo fica mais ou menos bem. A diferença é que pras coisas do amor, não há empresário: não adianta tentar costurar um acordo, oferecer um salário melhor, mais infra-estrutura, prometer que vai se reforçar nas posições carentes e brigar por títulos. É tudo regido pela alma. E pra minha sorte, a minha tem se mostrado bem forte até aqui.



O lado bom de tudo isso é ver que a tristeza não é uma skinhead neo-nazista. Pelo contrário, ela é bem democrática e não olha berço, tez, pele, gênero, tamanho, cor dos olhos, diâmetro do pênis... Ataca tanto o Wescley, quarto-zagueiro reserva do ABC de Natal, quanto o Wayne Rooney, melhor atacante do mundo, ídolo do Manchester United, seguindo uma lógica tão pouco cartesiana quanto se fosse só porque os dois têm o nome começado em W. A tristeza pega geral. E admito: se eu fosse um Luciano Huck da vida, eu diria de maneira simplória que "essa é uma lição bacana e bonita da vida". Talvez seja mesmo. Mas é duro ter de acordar sem ter um porquê, com um buraco do tamanho de um tiro de Winchester 22 no peito fumegante e ainda se dispondo a enxergar um pouco da gigantesca beleza que resta no mundo.

E aí, com toda a razão, você se lembra da hiena Hardy, que vivia a murmurar "oh céus, oh vida, oh azar, isto não vai dar certo!". E pensa em como esse bichinho inspirou best sellers trash como "O Segredo", e a sua já consagrada Lei da Atração. E considera que essa onda de pessimismo é até razoavelmente atraente aos olhos acríticos da pós-modernidade. A tristeza, o blasé, as fotos em sépia, a "coldplaynização da indústria músical", têm seu apelo. É um certo charme da derrota, presente ainda mais em tempos em que todos são forjados e criados para serem predadores e vencedores. Uma espécie de contra-cultura sentimental. É bonito dizer "eu não consegui" ou "eu falhei" e depois ser devorado pelo mundo, pela História, pelo seu tempo. É o que aconteceu com Garrincha, a estrela solitária, que despertou amores e sonhos pelo mundo todo, foi usado e depois largado ao ostracismo com seus defeitos.





Mas felizmente pra mim, não é o que vai acontecer comigo. E isso não é nenhum tipo de promessa ou profecia, até porque tenho certeza de que os poucos bravos que se dispuseram a ler esse texto não resistiram a tanta chatice e não chegaram até aqui - em outras palavras, estou falando sozinho. É simplesmente porque bem no fundo do meu bucho, bem no meu cerne, eu sinto algo que Ikki de Fênix definiria como uma "cosmoenergia" crescente. Algum publicitário acostumado a atender contas do terceiro setor resumiria esse sentimento a "força de vontade". Eu não. Prefiro chamar de gosto pela vida. E por mim mesmo.

Gosto do que eu vivi até aqui. Tenho uma trajetória que, com o perdão do pleonasmo, daria uma biografia. Dessas que ficariam na prateleira do meio das livrarias (a de cima é reservada pros livros que dão mais jabá). Biografiazinha honesta, fico imaginando. "O De Luna que há por trás do nugget". Quantidade moderada de qualidades e muitos defeitos, do jeito que as editoras adoram. Diversas histórias, causos e "passagens", como gosta de chamar o Faustão naqueles "Arquivos Confidenciais" da vida. Enfim, agora minha mente está viajando. Deve ser o horário ou essa garoa fina da madrugada que me tortura do lado de fora.

O fato é que, aos 22 anos, nem mesmo esse ippon que a vida me aplicou foi capaz de matar o meu sonho. Pelo contrário: tornou mais intensa a certeza de que o que eu quero vai acontecer. Meus pais me fizeram demasiado perseverante pra entregar os pontos assim de bandeja por causa de um ou dois meses de bossa nova. Parece uma frase difícil, excessivamente otimista e um tanto bonita, e fica mais ainda quando você descobre que es todo verdad, muchacho. Es todo verdad. Quem viver, verá.

Ah, você quer saber qual é o meu sonho?

Compra o livro, ué.

.

Um comentário:

Ray disse...

Seu sonho é oficializar "Nugget" como seu sobrenome.