sexta-feira, 25 de junho de 2010

A letra virou número

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Há muito, um rouxinol me contou que o futebol virou negócio. E que é coisa para os românticos mais tolos admirar a estética, o esporte, a plasticidade, a arte, a imaginação... isso é besteira.

Qualquer manifestação de improviso, por mais tímida que seja, é logo enquadrada por doze ou treze microfones, um ou dois publicitários muito bem intencionados, uma Montblanc, dois ou três homens de fraque, um pedaço de papel e uma rúbrica humilde.

E é assim, com urubus coadjuvantes, que o circo todo é montado, sempre em torno do bobo-da-corte.

Em 2002, o Brasil assistiu o surgimento de um negrinho abusado das pernas finas. Seu nome: Robinho. As pedaladas eram sua marca registrada. A mesma que havia consagrado um outro garoto de esqueleto frágil seis anos antes: Denílson.

O destino que os aguardava? Europa, seleção canarinho, flashes e mais flashes, contratos, comerciais, chuteiras, eventos, silicone, promiscuidade, manchetes, carros do ano e sorrisos tão amarelos quanto o manto nacional. E assim, gentilmente, o original cedeu seu lugar ao clichê. O futebol-arte virou pop-art.

"Pra dentro deles, Denílson", diz o locutor ufanista. Aliás, dizia. Hoje em dia, o produto já passou da validade e mofa nas prateleiras do Parque Antarctica. O momento é de Robinho. Mas o tempo passa e logo será a vez de Pato. E assim gira a engrenagem, triste e previsível.

O ciclo é mais ou menos assim: na base, moleque que se preza tem que mostrar que é diferenciado. Tem que dar caneta, dar letra, fazer gol de placa. Enfim, tem de mostrar que ali tem coisa boa. Se der tudo certo, ótimo. Profissional... uma vez no topo, a letra dá lugar ao número. Seja ele um número circense, como é o caso de Robinho ou um punhado de estatísticas, como é o caso de Jorge Wagner. O certo é que todos eles, protagonistas e figurantes, estejam em frente ou atrás das câmeras, gostam mesmo é das cifras. E essas, afinal, não deixam de ser números.



Texto publicado no meu antigo blog, em 02/10/2008.


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