quinta-feira, 24 de junho de 2010

O jornalismo precisa lembrar de 1922

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Após ler o ótimo texto do jornalista Leandro Fortes, que critica o show de descompromisso com a notícia em que se transformou o jornalismo esportivo atual, e tendo eu mesmo feito um guia da Copa do Mundo que usa e abusa de piadas marotas, pensei: "Essa carapuça quase me serviu. Mas, por sorte, ficou um pouco larga". Minha mão então começou a coçar e, incomodado, eu vim aqui pro meu blog - e último refúgio - escrever uma espécie de defesa, nem que seja apenas pra mim mesmo.

Não é segredo para ninguém que vivemos a era do entertainment. Minha geração, mais americanizada que todas as anteriores (pagando a conta da geração passada, movida a muita gente que tinha ereções quando ouvia falar do Walt Disney World e afins), é a grande responsável pela consolidação deste fenômeno nos meios de comunicação brasileiros. A onda made in USA atingiu até mesmo o outrora fleumático jornalismo, que não teve forças para reagir e se reinventar à brasileira. Hoje, vemos cada vez mais homens da mídia fazendo nas redações algo parecido com o que Robinho por alguns anos fez dentro de campo. Já ensinava um filho pródigo do Tio Sam, "there's no business like show business". Em se tratando da mídia esportiva, então, tudo - absolutamente tudo - é firula. É a estética pela estética. Naturalmente, isso resulta em um conteúdo raso e atrai a antipatia de muitos. E a esses, dou toda a razão: ora, nem tudo é para ser tratado com exclamações. E, convenhamos, os clichês repetidos diuturnamente por aí chegam ao ponto de machucar o cérebro de qualquer um com o mínimo de poder analítico.



O cerne da questão é que hoje, pensando de maneira pragmática, o jornalista tem três opções.

1 - Ir com a maré. Transformar definitivamente o jornalismo num espetáculo, ceder à superficialidade, plastificar seu sorriso e alienar seu público, tratando-o cada vez mais "como retardado mental", como descreve Leandro Fortes. Jogar no time que está ganhando, afinal, é sempre mais fácil. Especialmente quando o homem da mídia tem a seu favor o cada vez mais limitado discernimento de sua plateia. Aliás, é esse o triste quadro a que chegamos: ao assistir a um noticiário, você não é mais público, e sim plateia.

2 - Ir frontalmente contra a maré. Adotar uma corajosa postura de resistência, equivocadamente vista por muitos como 'conservadora' e privilegiar sempre o conteúdo em detrimento da forma, mesmo sob o risco de ser considerado sisudo, ranzinza e, a rigor, mais do mesmo. Essa corrente, em geral, é composta por membros que derivam do jornalismo escrito.

3 - Fazer um esforço hercúleo para agregar as qualidades mais importantes das duas correntes: a forma, na primeira, e o conteúdo, na segunda. É difícil, mas não impossível.

Um Guia Legal Pra Caramba tentou mostrar que a opção 3 é viável. Em momento algum, seus autores privilegiaram uma piada em lugar de uma informação, crítica ou notícia. Trata-se de bom senso. Da noção do que dizer, quando dizer, como dizer. Apesar de ser redundante falar, nem sempre é isso que vemos nas publicações/transmissões por aí.

Felizmente, o futebol - e aí eu discordo de Leandro Fortes - não se tornou apenas "um negócio de bilhões de reais". Como isso ainda não aconteceu, esse esporte nos permite aguçar o lado lúdico do ser humano, que vai muito além de um evasivo patriotismo quadrienal, e é terreno fértil para brincadeiras, piadas, críticas etc. O problema é que chegamos a um ponto em que dizer isso - e dessa forma - soa tolo. Inocente. Piegas. Melancólico. Patético. Até manipulador.

Qual, afinal, é a melhor forma de se enxergar esses novos ventos que sopram na mídia?

Bem, considerando todas as já citadas peculiaridades do esporte (que o distinguem da política, da economia etc.) a própria língua portuguesa oferece inúmeras possibilidades aos profissionais mais dispostos a quebrar paradigmas. Que tal começar por trocar figuras de linguagens consagradas, como as hipérboles ufanistas, por outras muito menos exploradas, como as ironias questionadoras? O futebol já deu incontáveis demonstrações de ser um fenômeno sui generis e, por si só, ter força para servir como metáfora para reflexão sobre as diversas outras áreas da vida. Basta apenas que não seja visto com a frieza de quem o reduz a cifras nem com a afobação de quem só pensa em transformá-lo num espetáculo enlatado.

É um enorme desafio, sem dúvidas. Mas a Antropofagia de Oswald Andrade nos mostrou que, sim, é possível agregar aquilo que há de bom na cultura alheia. Incorporar, fagocitar e enriquecer (no mais amplo dos sentidos, óbvio) me parece um melhor caminho que simplesmente rejeitar. É árduo o caminho, mas eu e o co-autor do Guia, Lucas Prata, estamos aí pra colocar abaixo o castelo de areia e tentar, até acertar.

Um comentário:

Caju disse...

Tu me orgulha, negão.
Um forte abraço,
André Risek.