domingo, 9 de janeiro de 2011

A epopeia da Linha Azul

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Feriado de Tiradentes, 1997. Na noite chuvosa, a luz elétrica das ruas da Vila Mariana acabou e a bela Conceição Kissakijan, assustada, decidiu abrigar-se por entre as gôndolas do Supermercados. Lá, ao som do que parecia ser uma música de Carlinhos Vergueiro, a morena-jambo nascida na Armênia sentiu-se mais calma.

Mal sabia ela que Marlon, pernambucano encabrunhado, torcedor fanático do Santa Cruz, estacionava seu Santana preto nesse exato momento e esbugalhava seus olhos amendoados ao vê-la ao longe, com suas ancas fartas, a passear nas prateleiras. "Quanta saúde", pensou. O zíper do rapaz mal se fechava e, por força da natureza, ele decidiu com olhar libidinoso: "É hoje".

À espreita, Marlon esperou um momento de distração de Conceição, já nas ruas, a agarrou pelo braço e disse: "Hoje, o paraíso te espera, fêmea", antes de levar-lhe embora toda a pureza acumulada nos 19 anos de vida.

Após 2 semanas, o torcedor da Cobra Coral dá entrada na delegacia. O famoso e temido presídio do Carandiru é seu destino.

"Tem passagem?", pergunta o delegado, enquanto palita os dentes sujos de azeitona.

"Tenho sim sinhô"

"Me poupa o trabalho e fala logo. Quê que tu fez antes?"

"Eu... me pegaram lá no Largo São Bento, na porta da Pajé. Vendendo umas... umas parada inglesa, importada, muamba, sabe?"

"Tá, foda-se, cê vai ficar na cela junto dos outros vagabundos. E sabe que estuprador é aperitivo, né?", decreta o homem da lei, com um sorriso sádico.

E lá se foram Marlon e sua liberdade, virar boneca inflável, sparring psicológico da psicose humana. Acumulou ódio. Leu a Bíblia e ao olhar pros seus algozes, pensou:

"Cês são Judas. Tudo Judas."

Oito anos depois, pelo bom comportamento, Marlon estava de volta ao convívio social. Seu Santana, claro, já havia sumido há tempos e agora o transporte era outro. Do Jabaquara ao Tucuruvi, lá foi ele em busca de emprego.

Depois de 11 nãos, um belo dia, na Praça da Árvore, ouviu um sim de dona Ana Rosa, uma velhinha lusitana, proprietária de uma lojinha de bugigangas verdes e jardinagem chamada Jardim São Paulo. Dona Ana, como preferia ser chamada, tinha apenas um vício: ir a todos os jogos da sua amada Portuguesa, no Tietê. Como as derrotas eram mais comuns que as vitórias e até que os empates, a velhinha vivia amarga e descontava isso nos empregados.

Marlon, altivo e sereno pelas palmadas que a vida lhe deu, lembrou-se do que leu e viveu na prisão e decidiu relevar as grosserias. "O mundo é cão mesmo", dizia. Ninguém entendia, mas o homem tinha virado devoto, veja você, de São Joaquim. O pai da Virgem Maria.








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