terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Navidad

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24 de dezembro, 8 da noite, São Paulo.

Véspera de Natal. Pernil, família e champagne à espera.
Era hora de se arrumar. "Vai tomar banho, filho", dizia a mãe, apressada. Eis que relâmpagos interrompem o fluxo da casa. Trovões, trovoadas, ruídos, rugidos celestes. A bem dizer, com o perdão da aliteração, era barulho pra caralho e agora, só agora, ninguém ouvia ninguém. Tem início uma chuva armagedônica e o banho ficou pra depois. Olhos na rua. O cachorro, que mais parece um lobo, baixa o rabo e fica amoado. Barulho demais, demais...

A rua inundada abriga carros que lembram o tal lobo da casa: perdidos, com medo de serem levados, se prendem ao meio-fio como suicidas ao parapeito. Peito. O filho lembra de beber algo, mas na geladeira só tinha leite, a bebida que ele mais detesta. Vai água mesmo, então. E isso era o que não faltava naquele início de noite.

Olhos de volta à janela. A sensação era de que aquilo era breve e passageiro e de que, acontecesse o que acontecesse, estariam lá no conforto da família à meia-noite. Afinal, aquele pernil gorduroso - que um dia teve vida - precisava ser devorado. Assassinos!

Assassinos porra nenhuma... Eram pessoas boas. Conscientes. Descontentes, insatisfeitas, brigadoras, críticas. E que valorizavam a família, bem mais que a tradição e a propriedade. Qualquer sacrifício era válido, pois.

Eis que na rua escura, em meio à enchente, brota Zé. Sim, não é licença poética, o nome dele é Zé. O mal-pago vigia da praça. Encharcado, o solitário Zé buscava abrigo na sua guarita, a um quarteirão dali. E todos da família se olharam, mesmo que só em pensamento. Não havia uma única palavra a ser dita. Dizem que o Natal é época de compartilhar. E foi isso que fizeram... dividiram o mesmo lamento. Um estranho e forte sentimento de culpa se fez presente.

E passaram o Natal à luz de velas.

Talvez algum escritor germânico explique. Quem sabe?

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